quinta-feira, 10 de outubro de 2013

As jornadas de junho, a repressão e as provocações anarquistas (sobre a defesa de Lucas)
Por Roberto Robaina

As jornadas de junho mudaram o Brasil. Já tem se falado muito sobre isso e continuaremos falando, debatendo, escrevendo. No nosso caso, mais do que isso, buscaremos ser fieis a estas jornadas, ao que denominamos a revolta de junho. Sua importância foi histórica. Tanto é assim que uma hipótese de trabalho é que tenha se aberto no país uma situação pré-revolucionária ou pelo menos tenha se fortalecido as tendências nesta direção. O certo é que toda a situação inevitavelmente se transforma com uma razoável intensidade quando milhões de pessoas irrompem na cena pública, quando ruas e praças são tomadas por marchas, passeatas e protestos.


Alain Badiou usava o conceito de acontecimento para se referir a grandes mudanças, que faziam aparecer um ser até então inexistente.  No caso do Brasil a aparição mais clara até então inexistente foi a da juventude indignada, conectada com as mobilizações revolucionárias do mundo, cuja marca da ação foi o repúdio à precariedade dos transportes públicos, aos gastos capitalistas da Copa, à corrupção e ao sistema partidário e parlamentar. E a irrupção de milhões na cena pública teve uma aparição num tempo-espaço muito preciso: junho de 2013.

Agora, neste início de outubro, tendo desaparecido das ruas as multidões que por dias fizeram a história e pautaram a política, a burguesia, seus partidos, suas instituições novamente retomaram as rédeas da situação que por algumas semanas tinham perdido parcialmente. Mas já não controlam a mesma a situação. A normalidade agora está marcada por mais ações das classes trabalhadoras e da juventude, dos movimentos sociais em geral e dos populares em particular. O Rio de janeiro é a expressão mais clara da nova situação. Seu ponto alto tem sido a forte e combativa greve dos professores e dos trabalhadores em educação. Não tem nenhuma surpresa que o RJ seja a vanguarda do povo. Em 2011 a greve dos bombeiros impôs uma derrota no governo Cabral e anunciou as mudanças. No ano seguinte a votação de Marcelo Freixo, candidato do PSOL à prefeitura do Rio, indicou que o processo social e político de contestação a esta ordem de miséria, opressão e especulação havia adquirido uma força muito significativa. Logo, em junho a cidade do Rio foi o palco de mais um milhão nas ruas.

Conscientes de que precisam atuar para reproduzir e consolidar sua dominação nesta nova situação de maior capacidade de ação do movimento de massas, a burguesia desenvolve uma política que combina de modo mais intenso a repressão aos movimentos com os mecanismos da democracia burguesa formal. A velha combinação do porrete e da cenoura. Se aproveitando da falta de uma organização nacional e de um programa unificado das classes trabalhadoras e dos jovens, a burguesia tenta avançar em seus passos com a colaboração permanente do PT, partido que antes representou - já se passaram mais de dez anos - de modo mais ou menos coerente (em geral com pouca coerência e com muitas vacilações e capitulações), as lutas e demandas da classe trabalhadora. Assim, embora com divergências no terreno político-eleitoral, com candidatos que representam setores distintos, há unidade burguesa no incremento de medidas de criminalização dos movimentos sociais e dos ativistas, cujo objetivo é intimidar e estimular que avancem na sociedade posições reacionárias contra as greves, os protestos, as marchas. E a colaboração com o PT tem sido fundamental e clara: o PT aplica no governo as medidas de repressão exigidas. É neste contexto que devemos encarar a invasão do apartamento de Lucas Maróstica pela polícia na semana passada, invasão levada adiante com autorização judicial, numa clara tentativa de criminalizá-lo.

É preciso, contudo, que se mantenham as proporções nas análises. Não há um regime cuja repressão política seja a marca central no momento. As medidas repressivas são uma reação aos protestos. A repressão policial aumentou como reação ao aumento das lutas. E as medidas judiciais são fracas, muito aquém do que a ordem burguesa necessita para enfrentar o movimento de massas. Não podemos perder de vista então que a correlação de forças está mais favorável para as lutas do povo e para o crescimento da esquerda anticapitalista. Os pequenos avanços que a política repressiva de criminalização obteve se deve em primeiro lugar, e sem dúvida a razão principal, pelo temor da classe dominante de novos junhos; segundo, porque as mobilizações atuais, como regra, não têm, por óbvio, o peso de junho. Mas este segundo motivo não seria relevante para que a repressão ganhasse terreno se não se combinasse um terceiro elemento: a ações isoladas e violentas de manifestantes depredando o patrimônio privado e alguns patrimônios públicos corretamente defendidos pelo povo, como foi o caso, para usar o exemplo de Porto Alegre, da depredação do museu Júlio de Castilhos. São estas ações que podem facilitar a política repressiva.

A depredação levada adiante por pequenos grupos como método de ação política é um desastre para o movimento de massas. Afasta o povo das passeatas e marchas. Mais ainda, é repudiada pelo povo. E dá o argumento para a atuação da repressão que ataca os partidos anticapitalistas tentando identificá-los – aos partidos e/ou aos seus lideres políticos e sociais com as depredações. Desta forma, nos obrigam a debater uma pauta que não nos interessa e que não faz parte de nossas propostas nem de nossos métodos de ação.

A pauta que queremos debater não é a de ações de grupos isolados que depredam patrimônio. Esta é a pauta da burguesia para desviar a discussão pública e impedir que o povo desenvolva o verdadeiro debate que faz falta: o fim do desvio do orçamento público para os bancos e as famílias multimilionárias, o combate às privatizações e ao arrocho dos salários, a luta contra a corrupção, entre tantas outras. E sobretudo a burguesia quer com esta pauta evitar que o povo reafirme o método que foi realmente eficaz em junho e método que devemos nossa fidelidade e defesa: o método da ação de massas, de milhares, de dezenas e centenas de milhares nas ruas e praças. Este é o verdadeiro temor das classes dominantes.

Para defender nosso programa e nosso método de ação é evidente que temos que deixar muito claro que não defendemos as depredações. Que a burguesia não tente associar o PSOL a estas ações porque todos que conhecem nosso partido sabem que nossa orientação política não é esta. E se agora temos que dizer esta obviedade é para lutar contra a tentativa burguesa de evitar os novos junhos levantando o fantasma do vandalismo. Este é o único motivo deles. Por isso tratam de pautar o tema das depredações que ocorreram nestes meses, excessos produzidos na maioria das vezes pela revolta de jovens sem nenhum direito ou quem tem seus direitos usurpados todos os dias. Quem viu os jovens que atuaram em Porto Alegre, à margem dos protestos de junho, que quebraram bancos e até lojas, sabe que estes jovens são das nossas periferias abandonadas e de sassistidas. Estes jovens não estão mais nas ruas nem em protestos nem à margem deles depredando. Se recolheram para as periferias. Estão lá, como sempre, sofrendo a falta de um estado social e á mercê do estado penal que é praticamente o único que conhecem. Se há uma bandeira justa para ser erguida é “basta de violência contra os jovens da periferia!”.

Mas a burguesia consegue ainda manter o debate das depredações porque há um setor ultra minoritário da esquerda – este conceito é tão extenso que cabe nele muita gente -  que defende politicamente - e em alguns casos praticam - ações de pequenos grupos contra o patrimônio público e privado, contra bancos, lojas, museus?.... Esta posição política é inaceitável e tem feito o jogo da burguesia. Estes setores identificados com idéias anarquistas ( embora nem todos os grupos anarquistas nem muito menos todos os indivíduos que defendam a ideologia anarquista tenham esta posição) fazem o jogo da burguesia e seus governos. Eles jogam água no moinho da ideologia burguesa e fortalecem a pauta que a classe dominante quer debater.

Apesar disso, ou seja, apesar do fato de que a política pequeno-burguesa e individualista sustentada por estes setores anarquistas faça o jogo da burguesa e dê argumento para a burguesia, o regime e seu governo nos atacar e nos perseguir (como ficou evidente com a invasão do apartamento de uma das nossas principais lideranças juvenis, o camarada Lucas Maróstica), nos recusamos a condená-los juridicamente. Mais do que isso: os defendemos contra a repressão do Estado. Os anarquistas em geral são lutadores contra o estado capitalista, embora suas posições políticas muitas vezes produzem prejuízos enormes para a luta do povo. Por isso mesmo não aceitamos, é claro, que os anarquistas e  ultraesquerdistas em geral tentem nos impor sua política e queiram que nós assumamos o que não defendemos nem fazemos. Por isso a cada um cabe defender suas idéias políticas diante do povo. É isso que estamos fazendo. Confiamos em nossas idéias e consideramos as posições anarquistas superadas historicamente e prejudiciais na prática da luta do movimento de massas.

Como desafio, portanto, temos a tarefa imediata de lutar contra as perseguições em geral e particularmente contra os militantes de nosso partido. Da mesma forma, seguiremos exigindo no Rio Grande do Sul a demissão do secretário de segurança. E apoiando as mobilizações e greves em curso e as que virão. Neste sentido vale a pena dar peso nacional e divulgar em todo o lado a heróica greve dos professores e trabalhadores em educação do Rio de Janeiro. Assim estaremos preparando o caminho para novos junhos. E avançando, sobretudo, na construção de novas organizações democráticas e de luta que tanta falta fizeram.

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