Desde a minha chegada ao aeroporto já estava sentindo a revolução. Quando saí do setor de imigração me deparei com o setor de desembarque cheio de manifestantes. Não vieram saudar um time de futebol ou algum artista famoso, como seria comum em manifestações nos aeroportos. Estavam lá para receber vários defensores de direitos humanos, entre eles um jornalista que havia sido deportado em 2008 por seu programa de defesa de direitos humanos. Eram várias dezenas de famílias com cartazes e com crianças na primeira fileira, segurando bandeiras, habitantes de uma cidade do interior da Tunísia. Quando apareceram na porta do hall ele irrompeu de gritos e júbilo. Ali tive a primeira sensação de que era uma revolução que havia sacudido todos os cantos do país. Essa impressão continuou quando peguei um taxi para procurar um hotel. O taxista me perguntou por que eu havia vindo e como me apresentei como jornalista e socialista brasileiro, me disse que me levaria a um hotel bom e barato na Av. Burguiba, o centro das mobilizações, onde eu poderia trabalhar comodamente. Cobraria-me os três euros da viagem se o hotel estivesse em condições para que pudesse fazer meu trabalho, se não, continuaria comigo até que encontrasse um alojamento adequado sem cobrar-me um euro. Fez questão de ir por uma avenida para me mostrar como havia ficado a sede principal do partido de Ben Alí, um prédio monumental localizado no meio de um grande terreno, no estilo dos ministérios de Brasília, que teve uma parede e um grande portão derrubados pelos manifestantes. Assim revolução tunisiana começou a me receber antes de eu me encontrar com Jabel.
A simpatia com a América Latina
O diálogo com Jabel foi imediatamente fluido. Ele estava interessadíssimo em iniciar contato com revolucionários latino americanos. Não só por que admirava Che Guevara; ele havia acompanhado os processos de queda das ditaduras da Argentina e do Brasil nos anos 1980 e, mais recentemente, os processos bolivarianos. Nos dias seguintes entendi melhor seu interesse pela América Latina que é parte de um sentimento generalizado presente na revolução árabe. O povo simpatiza com Evo e Chávez pelas posições assumidas com relação à causa palestina, questão muito presente na revolução. Enquanto também observa o Brasil com simpatia, por que o sentimento de nação que surge com a revolução, de ruptura com o imperialismo europeu e norteamericano, -que os dominaram política e economicamente-, os leva também a observar com uma perspectiva econômica a atual ascensão do Brasil como exemplo do que poderia ser seu próprio desenvolvimento.
Jabel contou que a revolução tinha um caráter nacional e que todo o povo havia participado. Destacou, dentro disso, o papel dos trabalhadores. Explicou como os professores, que possuem um sindicato nacional, haviam cumprido um papel importante nas tarefas e na extensão da revolução. Ele havia estado no sábado, em uma cidade do interior na qual havia assistido a uma manifestação popular que reuniu mais de 10 mil pessoas. Nela, como em toda Túnisia, existem edifícios públicos ocupados por jovens e trabalhadores, especialmente as sedes confortáveis do partido de Ben Alí.
O povo na ofensiva
Em sua primeira fala foi pouco entusiasta com a frente de partidos do movimento 14 de Janeiro que sua Liga integra. Com razão ele falou que alguns grupos como os nasseristas e os socialistas pan-árabes são somente figuras públicas com um número pequeno de pessoas. Contudo, salienta que o Movimento 14 de Fevereiro é uma perspectiva real, um lugar no qual deve-se estar para ser parte do processo. No sábado anterior a minha chegada havia sido realizado um ato do movimento. O local havia sido previsto para duas mil pessoas, mas se aglomeraram mais de oito mil, mais uma constatação da situação revolucionária em que se vive.
Trocamos opiniões sobre o que a revolução havia conquistado e as perspectivas que a Assembleia Constituinte tinha. É muito fácil perceber que todo o povo se sente orgulhoso e participou da derrubada de Ben Alí e a vê como um grande triunfo. “Tiramos do presidente ladrão que havia roubado meio país”, nos dizia orgulhosa uma tunisiana.“ Agora bem, se olha só pelas mudanças ocorridas para o regime, poderia se dizer que a mudança foi muito parcial, já que até agora o governo atual de Ganuchi mantém a polícia que foi a coluna vertebral do velho regime, o exercito e muitos personagens do mesmo. Deste ponto de vista, seria necessário mediar o que foi esse triunfo.
Mas, esse novo governo está na defensiva e as mudanças de conquistas democráticas são já irreversíveis. A situação revolucionária não se fechou. A relação de forças depois da derrubada de Ben Alí é totalmente favorável ao povo. Isso se vive nas ruas, que estão nas mãos do povo. A polícia e o exercito estão em alguns lugares escondidos defendendo ministérios, estão encurralados e protegidos por vales e arame farpado, enquanto o povo se manifesta todos os dias sem nenhum medo ao seu lado. Agora está nas ruas por reivindicações econômicas, há muitas greves operárias e mobilizações permanentes na Av. Burguiba da juventude desempregada. O povo se sente triunfante por ter derrubado Ben Alí e seus quarenta ladrões.
Ghanouchi se mantém por que prometeu eleições em seis meses e começou a dar legalidade aos partidos políticos opositores. 31 partidos já se apresentaram e só são necessárias algumas assinaturas e formalidades para que sejam reconhecidos. Entre eles está o Partido Comunista Operário da Tunísia que também participa do Movimento 14 de Fevereiro e tem origem na tradição albanesa. Diferente do Partido Comunista “oficial”, que não enfrentava a ditadura e que participa, com ministros, desde o primeiro governo formado por Ben Alí, o PCOT tem uma longa trajetória de luta contra a ditadura. O dirigente Mohamed contou para mim com orgulho que durante 20 anos mantiveram sua imprensa clandestina regularmente e que tem grande interesse de manter relações com os socialistas brasileiros.
Tarefas concretas de solidariedade
Das conversas surgiu a proposta de uma grande reunião internacional de solidariedade com a revolução árabe convocada pelo Movimento 14 de Fevereiro; uma reunião ampla para apoiar o programa dessa organização que inclui, entre outros pontos, uma Assembleia Constituinte. Demonstramos nosso interesse em uma ação desse tipo que seguramente convocaria muitas correntes socialistas e democráticas antiimperialistas do mundo.
Na terça-feira participei de uma reunião com a direção da Liga de Esquerda Operária. Além de Jabel, participaram quatro militantes, todos dirigentes sindicais do sindicato de correios e telecomunicações, dos professores e dos trabalhadores da justiça.
Logo após as apresentações, conversamos sobre a conjuntura e as possibilidades que foram abertas com ela. Uma nova crise revolucionária que acabe com o governo de Ghanouchi e imponha a Assembléia Constituinte ou a realização de novas eleições daqui a seis meses. Evidentemente a Liga está empurrando com todas as forças pela primeira saída mas eles mesmos sabem que a segunda não pode ser descartada. Seja qual forem as perspectivas, a liga está decidida a formar um novo partido amplo com todos os novos ativistas e militantes que conheceram no curso da revolução. Um novo partido anticapitalista no estilo do PSOL. Um dos companheiros colocou as coisas se forma muito precisa no sentido de manter uma colaboração com o PSOL, para que ajude nessa tarefa. Sem pensar duas vezes oferecemos toda nossa colaboração para essa tarefa que apresentaram. A conclusão prática foi a organização de um giro de uma semana de um de seus dirigentes no Brasil para difundir a revolução árabe e para poder obter fundos para abrir sedes e levar adiante a construção de um novo partido.
O povo da Tunísia deu muito de si para fazer essa revolução árabe. Já deixou mais de duzentos mortos. O povo brasileiro tem que reconhecer e apoiar essa grande obra que sem dúvidas vai mudar o mundo em que vivemos.
Pedro Fuentes
Secretaria de Relações Internacionais PSOL
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