Entrevista a Alexis Tsipras: "O dracma não é opção"
A política de
austeridade extrema está a levar a União Europeia pela rua abaixo em
direção ao desastre, diz Alexis Tsipras, líder da Syriza, e apenas uma
mobilização popular ampla a pode parar.
Entrevista de George Gilson, do Athens News. Em Esquerda.net
"A Europa não deve continuar a ser mantida refém dos bancos", defende Alexis Tsipras.
Tsipras apela a uma solução inclusiva para a dívida da União Europeia
(UE) do Sul, ligando o serviço da dívida ao crescimento, e insiste que
os credores nunca recuperarão o seu dinheiro se o memorando for
executado. Apoia uma reforma da administração pública com avaliações de
desempenho, mas insiste que os despedimentos coletivos em massa
destruirão a administração pública e que o governo vê as avaliações como
um pretexto para esses despedimentos.
O líder da coligação de esquerda riposta às propostas de privatização do
governo, acusando que vender ao desbarato setores estratégicos não vai
beneficiar a economia, enquanto que conceder/arrendar solo a longo prazo
é uma tentativa inconstitucional de alienar ao desbarato solo público.
O primeiro-ministro Antonis Samaras acusa o seu partido de ser o “lóbi
do dracma”. Como responde a isto e qual será a sua estratégia de
oposição? O pacote de cortes no orçamento ser votado a partir do
Parlamento, é praticável e o que é que envolve?
Samaras está a tentar criar a impressão de que qualquer reação contra as
medidas levadas a cabo pelo seu governo é motivada por um conluio para
voltar ao dracma. É uma tática de comunicação desesperada. É uma
tentativa contínua de enganar, uma mentira extrema com que tenta apoiar
as suas políticas extremas. Toda a gente agora entende que o destino da
moeda comum não depende do programa de austeridade na Grécia. O governo e
as medidas da Troika enfrentarão uma resistência tremenda dentro e fora
do parlamento. Impedir a execução das medidas é uma questão que diz
respeito a toda a sociedade e a Syriza contribuirá plenamente para esse
esforço.
A chanceler alemã Angela Merkel e o presidente francês Francois Hollande
declararam firmemente que a execução do memorando é um pré-requisito
para a Grécia receber a próxima fatia do empréstimo, de 31 mil milhões
de Euros, e para o país permanecer na Zona Euro. Há alguma razão para
não acreditar neles?
As prestações do empréstimo que são desembolsadas voltam quase na
totalidade para os credores - e, além disso, com uma margem de lucro que
não é de forma alguma insignificante. Em contrapartida, à Grécia é
exigido que siga um curso que a faça regredir a muitas décadas atrás,
económica e socialmente. Isto não leva a parte alguma. Eles sabem que
desta forma a dívida grega não se pode tornar sustentável. Sabem que não
nos podem expulsar do Euro. O que precisamos é da determinação do povo
grego no sentido de começar as negociações de novo, sobre uma base
totalmente nova.
Que pensa dos esforços da UE até agora para lidar com a crise da dívida e
reforçar o Euro? Quais são os desequilíbrios de poder emergentes dentro
da UE sobre esta questão e há espaço para uma aliança comum ou para uma
estratégia comum entre os estados-membros do sul?
No caminho em que está, a Europa já não tem as ferramentas para lidar
com a crise. O resultado final da política atual vai ser espalhar
recessão e miséria social por toda a UE. Como tal, precisamos duma
Europa diferente, que não seja mantida refém dos bancos, do lucro ou dos
mercados mas, pelo contrário, orientada para a democracia, a
solidariedade, a igualdade e a dignidade laboral. Esse é certamente um
problema que deveria ser tratado por alianças regionais, mas é sobretudo
uma questão a tratar por povos e sociedades do norte e do sul. As lutas
sociais que se aproximam podem desafiar a dominação dos mercados e dos
seus lucros sobre as pessoas e podem mudar o futuro.
Por que é pior um possível regresso a uma moeda nacional do que o
círculo vicioso austeridade-recessão-bancarrota? O retorno ao dracma é
um desastre para os povos, como o governo argumenta, e o qual seria o
impacto real sobre o trabalho?
Um regresso ao dracma beneficiaria quem é financeiramente forte e
ampliaria ainda mais as desigualdades sociais. Iria agudizar também a
concorrência com o resto do sul europeu. A questão não é voltar a um
estado de concorrência com trabalhadores espanhóis, italianos e
portugueses a propósito de quem produzirá mais barato e com salários
mais baixos. O objetivo é aliar-nos com eles e elas para evitar um plano
socialmente catastrófico. Em caso algum alguém nos pode forçar a deixar
o euro. O dracma não é uma opção.
Que ações planeia contra o memorando e com que forças políticas e
sociais pretende colaborar - poderá incluir o Partido Independente dos
Gregos? Poderá bloquear a execução de determinadas medidas do memorando
e, em caso afirmativo, quais?
A grande mobilização será assumida pela própria sociedade a partir da
miséria, da dor e da indignação causadas pelas medidas do memorando.
Participaremos nessas lutas com todas as nossas forças e iremos ao
combate tanto dentro como fora do parlamento. Importante para nós é que
essas lutas abrem caminho para uma grande mudança, para um plano
político alternativo. Neste caminho, um acordo com outros partidos não
será suficiente: o necessário é um conceito estratégico de reconstrução
produtiva, do que devemos mudar e como.
Do escândalo da Siemens e do processo de adoção do memorando pela
Grécia, que aspetos devem as potenciais investigações por comissões
parlamentares explorar?
O escândalo da Siemens é o primeiro exemplo numa longa cadeia de
escândalos que caracterizaram o chamado período de desenvolvimento. Não
nos esqueçamos de que sabemos isto porque a própria companhia foi
sujeita a investigações. Houve um esforço enorme e sem rebuços dos dois
partidos que governaram a Grécia [Pasok e Nova Democracia] para encobrir
esse caso. Nós comprometemo-nos a fazer tudo o possível para chegar ao
fundo do caso. O mesmo se aplica ao memorando, em relação ao qual
apoiamos já uma proposta para investigação pelo parlamento. Os gregos
precisam de saber como foram arrastados para esta aventura, com que
arranjos e com que intenção.
Como vê o plano para reduzir o número de funcionários públicos através
da reforma antecipada e através da avaliação de desempenho?
Os empregados do setor público não são uma elite com privilégios
escandalosos, como a televisão os descreve. A vasta maioria dos
trabalhadores recebe salários que estão no limite da decência e que
foram substancialmente reduzidos. As repercussões desta política de
despedimentos coletivos em massa são enormes. Famílias inteiras serão
empurradas para a pobreza e o desespero. O setor público está a ser
dissolvido basicamente num momento em que a sua reforma é precisa para o
tornar mais eficaz. Isto está a ser feito seguindo o apelo dos
interesses privados que almejam retirar lucros enormes explorando
grandes setores da economia grega.
Ninguém deve ser alvo de despedimento coletivo? Tem algum plano para
reestruturar o setor público e o seu pessoal e deveria haver lugar para
avaliações de desempenho?
A esquerda não teve a ver com o sistema de clientelismo instalado acima
durante as últimas décadas. O sistema foi criado exclusivamente pelos
partidos que estiveram no governo e pelas suas máquinas políticas. A
percentagem da força de trabalho empregada no setor público está
ligeiramente abaixo da média da UE. Aqueles que querem agora começar a
livrar-se das pessoas como se fossem material descartável são
precisamente os mesmos que objetaram contra todas as tentativas de
reformar e racionalizar produtivamente o setor público.
Em nenhuma parte da Europa o setor público foi melhorado por ser
conduzido à dissolução e à desvalorização. Não se pode fazer isto como
abate por atacado, faz-se planeando e com um programa que inclua
procedimentos de avaliação. Não se usam estes procedimentos como um
pretexto para despedir pessoas, mas com o fim de ir ao encontro das
necessidades do desenvolvimento do país.
Há privatizações com que concorde? Porque será melhor que a classe média
faça sacrifícios tremendos para pagar a dívida em vez de vender bens do
estado, com o planeamento adequado?
Não há nenhum planeamento. Há apenas planos para pilhar e agarrar.
Privatizaram os estaleiros e os seus empregados estão no desespero.
Privatizaram as Telecomunicações Helénicas (OTE). Querem privatizar a
água, o gás natural, os comboios e outros setores vitais para lucrar à
custa das necessidades do povo. Isto não conduzirá a qualquer alívio. Se
querem aliviar os povos, porque não quebram os cartéis no combustível,
nos medicamentos, no transporte de passageiros e nos supermercados? Por
que vendem ao desbarato negócios rentáveis como a agência de apostas do
estado, OPAP, que pode contribuir com quantias enormes para o orçamento?
Não, nós não entraremos numa discussão sobre a extensão e as
pré-condições da pilhagem. O plano deles quer destruir a capacidade da
Grécia para construir e nós evitá-lo-emos.
Como vê a concessão/arrendamento a longo prazo (30, 50 ou 100 anos) e o
desenvolvimento por privados do solo público e do imobiliário?
É um pretexto, é obviamente uma privatização, porque dentro de 100 anos
nenhuma ou nenhum de nós estará aqui para verificar o que aconteceu. O
arrendamento a longo prazo é um truque grosseiro para desbaratar
recursos, em violação da constituição. A venda de terra e ilhas
públicas, que está a ser cada vez mais discutida, insere-se nesta
categoria. Estamos a ceder o controle sobre a terra e as capacidades
produtivas enquanto abolimos as relações de trabalho, o planeamento das
cidades, a proteção ambiental e os impostos sobre empresas. A Grécia
está a ser transformada num território colonial e a transferir para
pessoas privadas, por décadas, toda a possibilidade de crescimento que
tem. Isto acontecerá apenas se conseguirem executar este plano e se não
tropeçarem numa reação social violenta.
Alguns membros da Syriza lançaram-se contra si por se ter encontrado com
o presidente israelita Shimon Peres. Está contra haver laços mais
próximos entre Grécia e Israel, como acha que se vão desenvolver? Não
era a cooperação Chipre-Israel um dissuasor face às ameaças da Turquia
contra a perfuração de gás e petróleo por parte de Chipre?
A reunião com o presidente de Israel é parte do protocolo do gabinete do
presidente grego. Nós não nos encontramos apenas com pessoas com quem
concordamos. Não houve nenhum aspeto do problema Palestiniano que não
tenhamos levantado nessa reunião. O estreitamento de relações
Grécia-Israel vai de par com a busca duma solução para a questão
Palestiniana, baseada em resoluções da ONU. O mesmo aplica-se à questão
de Chipre. Acreditamos que a cooperação na energia se deve basear em
interesses mútuos, em relações da confiança e em princípios da lei
internacional. Deviam unir povos, em vez de alimentar nacionalismos e
elementos extremistas.
Porque quer transformar a Syriza num partido unificado? Como fundirá os
grupos componentes ideologicamente diversos e que diria àqueles grupos
que se opõem à iniciativa?
A necessidade dum partido unificado surge das mudanças enormes que
ocorrem na cena política. A esquerda, com a sua proposta política
alternativa, está a mover-se para a dianteira e está a transformar-se em
agente duma grande e histórica reviravolta. A partir daqui, a esquerda
deve tornar-se ainda mais forte, ainda mais séria e ainda mais eficaz.
Nós devemos transformar a confiança que o povo nos mostrou numa postura
política e social ativa. Além do seu voto, devemos ganhar a consciência
do povo: a esquerda deve ganhar os corações e as mentes das pessoas,
deve inspirar o otimismo e a determinação necessários para mudar as
coisas. Estas razões são o mandato para esta transformação. Nós não nos
perturbamos nem nos irritamos com o pluralismo. Procuramos o consenso
social e político mais amplo possível a favor do nosso plano político, e
isto nunca se poderia conseguir com unanimidade absoluta e uma
ideologia inflexível.
Como vê a atividade da Aurora Dourada, no parlamento e fora dele?
Acredita que estejam envolvidos nos ataques aos emigrantes -
possivelmente com o consentimento tácito da polícia - e poderia o
partido ser proibido em certas circunstâncias?
Os grupos neonazis agem de forma criminosa e toda a gente sabe isso.
Estão a ser tratados obviamente com a tolerância da polícia, pelos meios
de comunicação social e por um envolvimento amplo da frente
pró-memorando. Esta atitude tolerante tem de acabar. Se estas
organizações estão a agir dentro dos parâmetros da lei, os tribunais é
que o devem julgar. Por um lado, o facto é que um segmento substancial
do eleitorado escolheu uma resposta extremista à crise votando no
partido neonazi, pensando que estavam a lançar um voto alegadamente
anti-sistema. Para nós, a escuridão política pode ser enfrentada apenas
pelo fortalecimento decisivo da consciência política. Quanto mais
pessoas compreenderem que a resposta a esta crise é unidade,
solidariedade e luta, mais o campo neonazi voltará ao seu isolamento.
A grande maioria dos cortes é nos salários, pensões e prestações
sociais, dado que o governo diz que não pode coletar 11.5 biliões de
Euros doutra maneira. Que propostas alternativas tem para que o país se
encontre com seus compromissos de empréstimo?
Não há nenhuma maneira justa de extrair tanto dinheiro duma economia que
já esteja a sufocar há dois anos e meio; O ministro das finanças Yannis
Stournaras admitiu-o cìnicamente. Os compromissos do país, tal como são
impostos pelo memorando, não podem ser executados nem podem fornecer
uma solução para a crise da dívida. Uma negociação nova [com os credores
da Troika] é necessária. Apoiámos propostas abrangentes, e nelas se
inclui uma solução agregada para a dívida do sul, uma moratória com
credores [sobre o serviço da dívida] enquanto se associa o reembolso a
crescimento, a introdução de euro-obrigações e empréstimos diretos pelo
Banco Central Europeu. Ao invés, o governo está a seguir a lógica do
“preso disciplinado” a qual se está provar catastrófica.
Poderá o governo suportar uma forte reação violenta popular contra as
medidas, e como vê a participação do socialista Pasok e da Esquerda
Democrática na coligação? Acredita que a última manchou as suas
credenciais de esquerda?
A Esquerda Democrática está agora a ser julgada. Até ao dia das eleições
a sua posição era a de denunciar o memorando, mas no dia seguinte
juntou-se por sua vontade ao sistema político estabelecido e está a
mostrar tendências para se tornar mais pró-memorando do que o próprio
memorando. O Pasok está a tentar salvar-se, preso na armadilha das
mesmas políticas inconcebíveis em que prendeu o povo e o país. Não há
nenhum futuro político para os partidos do memorando porque as políticas
que assumiram executar são destrutivas e levam a um beco. Há já uns
deslocamentos muito rápidos a acontecer na cena política. A sociedade
está a procurar um caminho alternativo de saída e a manifestar-se em
torno duma aliança nova, progressista, com a esquerda no seu núcleo.
terça-feira, 9 de outubro de 2012
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