sábado, 16 de junho de 2012

A hora grega
Por Israel Dutra*, em Fundação Lauro Campos

GréciaAs eleições gregas do domingo dia 17 estão sendo acompanhadas com o mesmo interesse de uma eleição presidencial estadunidense. Editoriais e articulistas dos principais jornais do mundo tratam diariamente das pesquisas eleitorais, realizando prognósticos, discutindo seus desdobramentos, causas e efeitos. A coalizão da esquerda radical, Syriza, que lidera algumas pesquisas de opinião, é notícia por todo o planeta.A imagem de seu líder Alex Tsipras se tornou conhecida por milhões. Não apenas estudiosos em ciência política ou especialistas em relações internacionais estão discutindo a próxima eleição grega. E tem razão quem coloca este tema como central na pauta do mundo: o resultado eleitoral terá inevitável consequência para o futuro próximo da União Europeia, em meio à mais grave crise do Euro e do capitalismo no século XXI.


Aonde vai a Grécia?
A Grécia é o elo mais débil da crise do Euro. Os efeitos da crise levaram o país a índices econômicos e sociais observados apenas em tempos de guerra: redução brutal de salários e pensões; queda brusca na renda média da população; desemprego que afeta 21, 2 % da população ativa, sendo mais de 50% entre os mais jovens; o PIB grego caiu 6,9% em 2011, a produção industrial do primeiro trimestre recuou 4,3% em números absolutos. Os dados de suicídios são os maiores da Europa, bem com mendicância e abandono de menores nas ruas. O sistema de saúde foi absolutamente liquidado. Faltam remédios, a força de trabalho na área da saúde[médicos, enfermeiros, auxiliares e pessoal administrativo] se reduziu em 20% nos últimos anos, sendo fechados 137 hospitais em todo o país.
O resultado da imposição dos planos de austeridade é evidente. O balanço, se podemos assim chamar, da submissão da Grécia a Troika[UE-BCE-FMI], através de seu memorando é uma catástrofe social. Estes planos foram impostos pelos partidos majoritários. A resposta, dada nas ruas e nas urnas, foi a liquidação política dos dois principais partidos da burguesia: o conservador Nova Democracia e o socialdemocrata PASOK. Eles já não podem governar da mesma forma que antes. As mobilizações, greves, ocupações de fábricas, hospitais, jornais, a votação dada para os partidos que rechaçam os acordos com a Troika, demonstram que os gregos já que não querem aceitar tais condições. A eleição foi o sinal claro de que o país está se polarizando e girando à esquerda.
As camadas médias também se radicalizam. Boa parte dos profissionais liberais, estudantes universitários, intelectualidade tem participado das manifestações, lugar onde a classe média urbana tem jogado papel interessante. Os setores do campo, contraditoriamente, demonstram atraso político, votando de forma majoritária em posições conservadores, porém, atuando em pautas e lutas reivindicativas.
O elemento subjetivo completa a análise. Há um salto na consciência da classe trabalhadora, a partir de sua ação independente nas greves gerais e mobilizações, expressa de forma definitiva no apoio eleitoral conquistado por Syriza. No 6 de maio, e possivelmente no 17 de junho, as massas vão "marchar nas urnas" para derrotar os governos do memorando.
Um ciclo de rebeliões contra o ajuste
O povo grego derrubou três governos pró-ajuste. O primeiro deles foi o de Costas Caramanlis, conservador do ND. Foi a juventude, precarizada, da geração conhecida como "600 euros" que deu o passo decisivo. O fato que desencadeou oito dias de manifestações ininterruptas foi a morte do jovem Alexandris Grigoropulus , de apenas 15 anos, no sábado, 6 de dezembro de 2008, assassinato pela polícia no bairro popular Exarchia , em Atenas. Uma greve geral, na esteira do levante juvenil, paralisou o país. O governo, ferido mortalmente, foi derrotado nas eleições posteriores, em 2009. Uma nota interessante é que a advogada do caso Grigoropulus, Zoi Konstantinopoulou, se tornou uma referente pública de Syriza.
O governo seguinte assumiu em meio a expectativas de mudança. George Papandreu, do PASOK foi eleito para enfrentar de forma altiva as turbulências dos efeitos da crise sobre a economia grega. Sua adesão incondicional ao projeto da Troika levou à frustração e a revolta. Foi o governo que mais conheceu greves gerais e levantes de várias categorias. Como explica Yorgos Mitralis, os indignados irromperam na Grécia, sintonizados com a mobilização dos espanhóis e da primavera árabe,
"Quantos estavam, no domingo 5 de junho de 2011, na Praça de Sintagma (praça da Constituição) no centro de Atenas, justamente em frente ao Parlamento? É difícil dizer, já que uma das particularidades destas reuniões populares é que, na falta de discurso central ou de concerto, há um ir e vir permanente de manifestantes. Mas, se levarmos em conta os responsáveis do metrô de Atenas, que sabem como calcular o número de seus passageiros, ao menos 250.000 pessoas confluíram a Sintagma nesta memorável noite! Em suma, várias centenas de milhares, se a isso se agregam as multidões "históricas" reunidas nas praças centrais de dezenas de outras cidades gregas."
Os "aganaktismeni [indignados]" não lutaram em vão. A crise se aprofunda, e no começo de novembro de 2011, cai o governo Papandreu, em função da assinatura do novo memorando, sem qualquer tipo de consulta popular.
A saída apresentada foi um governo 'técnico', sustentado por uma coalizão de unidade nacional, envolvendo os principais partidos- PASOK, ND e Laos[partido nacionalista de direita]. Lucas Papademos, ex-banqueiro e homem de confiança do Banco Central Europeu foi escolhido como premiê. O segundo pacote do resgate incluía medidas como a redução do salário mínimo em 22%, o corte de 15% nas aposentadorias e pensões, a demissão de milhares de trabalhadores do setor público e a privatização de boa parte do patrimônio estatal do país. A Grécia assistiu a uma convulsão social, no dia da votação deste plano. Além da greve geral de 48 horas, o parlamento foi cercado por um milhão de manifestantes. Metade do governo pediu demissão e 43 deputados foram expulsos dos maiores partidos. Estava falida a promessa de um governo tecnocrata.
A eleição de 6 de maio refletiu estes processos. A melhor definição para o resultado é a de terremoto político, como quer Toussaint:
"Syriza, coligação da extrema esquerda, torna-se o segundo «partido» e passa dos anteriores 4,5% nas eleições de 2009 para 16,8% dos votos (52 deputados em vez de 13). É o partido mais votado em todas as grandes cidades. É a lista que recebeu mais sufrágios na faixa etária dos 18 aos 35 anos.O partido socialista (PASOK) perdeu 2/3 dos votos que tinha obtido em 2009 (passa de 44% para 13,2%; perde 119 deputados, passando de 160 para 41 lugares no parlamento!). O PASOK paga em votos a sua política de austeridade, a sua submissão aos interesses das grandes empresas privadas e da Troika.A Nova Democracia, principal partido da direita e que fez parte do governo a partir de Dezembro de 2011, partido mais votado nestas eleições, também perdeu uma enorme parte dos seus votos – passa de 33,5% para 18,9%. Em termos de lugares no parlamento, melhora em virtude de uma regulamentação escandalosa da lei eleitoral grega, que atribui um bónus burocrático de 50 deputados ao partido mais votado. Desta forma a Nova Democracia, que perdeu 40% dos seus votos, ganha 17 deputados (passa de 91 deputados a 108). Além disso convém recordar que na véspera das eleições de 6 de Maio a Nova Democracia apenas tinha 71 deputados, por ter sofrido numerosas deserções. O PASOK por seu lado viu fugir 31 deputados entre 2010 e 2012, em protesto contra a sua orientação política. Embora a Nova Democracia apenas tenha 2,1% mais que o Syriza, obtém mais do dobro dos lugares no parlamento (108 para Nova Democracia contra 52 para Syriza).A Aurora Dourada, grupúsculo neonazi com grupos de choque, conseguiu entrar para o parlamento. Passou de praticamente nada para 7% dos votos e 21 deputados."
Ou os escritórios de Berlim ou as ruas de Atenas
A situação grega vai influenciar de conjunto nos próximos capítulos da crise europeia. A gestão de Merkel vem sofrendo duros golpes. Seu aliado preferencial, Nicolas Sarkozy foi derrotado por Hollande nas eleições francesas. O pêndulo eleitoral em toda a Europa pesou contra as políticas de austeridade e seus representantes imediatos. As eleições regionais na Inglaterra e na Itália deram maioria aos partidos da oposição, sendo que na Itália se destaca a votação do novo partido do comediante Beppe Grillo, com um programa de crítica aos "partidos da ordem". Dentro da própria Alemanha, Merkel perdeu três eleições regionais importantes. O presidente da Alemanha, Wulff, homem de confiança de Merkel e seu partido, renunciou, acusado de corrupção. O governo da Holanda também antecipou as eleições. Em Portugal, o conservador Passos Coelho perdeu nove pontos na última pesquisa de opinião, caindo para 36% em termos de aprovação. O escândalo envolvendo um dos seus ministros, Miguel Relvas, envolvido em casos de espionagem, o debilita ainda mais.
O futuro da UE, como atualmente é configurada, é sombrio. O economista Nouriel Roubini, afirmou recentemente, que a Grécia vai sair do Euro, arrastando as economias da Espanha e da Itália, o que seria fatal para a existência do Bloco econômico. O risco de contágio é enorme. Há um verdadeiro terrorismo dos setores da imprensa e da mídia contra a possibilidade do Syriza ganhar a eleição. A Itália e Chipre seriam os próximos países a pedir resgate.
O novo das últimas eleições é que o voto majoritário expressou uma recusa aos planos da Troika. Mesmo setores moderados como o PS francês, vencedor das últimas eleições, buscam medidas para se distanciar da austeridade "dura". A proposta de Hollande, de reverter a lei de aposentadorias de Sarkozy, retornando para a idade anterior de 60 anos, é fruto desta pressão de amplos setores de massa.
O ano de 2011 foi marcado pela primavera árabe, pelo movimento de ocupação nos Estados Unidos, com centro em Wall Street, e pela irrupção dos Indignados. Foi o Maio Espanhol que arrastou a indignação para um força social coletiva, com base a um programa difuso, com uma pesada crítica aos bancos e a os políticos, sob o slogan de "Democracia Real".
A Espanha segue, com mais velocidade, o caminho da Grécia. O governo socialdemocrata de Zapatero foi derrotado nas eleições de 2011. O novo premiê Mariano Rajoy conseguiu ser odiado em apenas seis meses. Sua proposta de ajuste, que pressupõe cortes orçamentários nas áreas de educação e saúde e uma reforma trabalhista que retira direitos históricos da classe operária espanhola, foi recebida com uma intensificação dos protestos. A greve geral do último 29 de Março foi uma das mais fortes do período democrático. Os estudantes de Valencia protagonizaram manifestações conhecidas como "primavera valenciana". Desde o dia 22 de Maio, a greve da educação contra os recortes paralisou as escolas, universidades e liceus de todo o Estado Espanhol. Os mineiros de Astúrias radicalizam sua greve com barricadas e enfrentamentos.
O salto de qualidade na crise espanhola foi o caso "Bankia", quarto maior banco do país. Depois de uma controversa falência, a Espanha teve de recorrer a um empréstimo de 100 bilhões de Euros para sanar as dívidas do Banco. Isto vai gerar um novo colapso, desenvolvendo uma nova etapa na crise da dívida. Economistas chegam a comparar a crise do Bankia e seu resgate com a crise do Lehman Brothers, o "pico" mais impactante da presente crise econômica. No mesmo final de semana das eleições gregas, os indignados espanhóis prometem voltar às ruas e praças para exigir o "resgate social", denunciando o governo Rajoy.
A vez dos anticapitalistas
Na Grécia existe uma situação qualitativamente distinta do resto da Europa. A votação de Syriza e a postura de Tsipras e seu partido apontam para a maturação de condições subjetivas para apresentar uma alternativa política real à luta social.
Estamos falando de algo completamente novo, impensado até há pouco tempo. Como se explica que os anticapitalistas estejam tão bem localizados?
O principal componente de Syriza, Synaspismos é uma ruptura progressiva do PC, conformada em 1991. A formação deste novo partido é expressão direta do processo de revolução política que derrocou definitivamente o stalinismo, a partir de 1989. Incorpora o legado das lutas democráticas de 1968, de movimentos amplos, ambientais, de gênero e por direitos civis. Num processo de síntese e convergência, Syriza se forma em 2004.
A discussão interna nesta coalizão é polarizada por vários setores. Syriza tem retrocessos, saltos, avanços e debates. De um partido com ênfase eleitoral, consegue grande penetração entre a juventude, atuando com lucidez e ousadia no levante de 2008. Seu "giro" ao movimento social lhe proporciona uma boa localização nos novos setores do movimento sindical. Claro que tal processo não é linear. Inclusive, está marcado por uma ruptura, a Esquerda Democrática, setor mais moderado, que rompeu com Syriza, buscando uma ponte entre a esquerda radical e a socialdemocracia, para ganhar a confiança dos antigos membros do PASOK.
O anticapitalismo na Europa também conheceu ondas de fluxo e refluxo. Partidos de caráter antineoliberal cederam aos apelos de governar com a centro-esquerda como o caso do Partido da Refundação Comunista na Itália. A insuficiência do alcance das conformações da extrema esquerda anticapitalistas foi notada na primeira década do século XXI. O sentido de dispersão marcou a resposta política à primeira etapa da crise mundial [2007-11].
Está colocado para Syriza o desafio de recolocar a "política" e a estratégia no centro das decisões governamentais. Com um claro programa de rejeitar as condições impostas no memorando e auditar a dívida, rumo a uma moratória.
As ameaças da Troika, de expulsão do Euro e retorno ao Dracma [antiga moeda] geram pânico. O medo da hiperinflação e da queda brusca da produção industrial e do consumo é real. A direita espalha boatos de que os gregos começam a sacar suas poupanças e estocar comida.
A campanha eleitoral de Syriza conseguiu responder à altura. Com muita mobilização e apoio de importantes personalidades, a "onda Syriza" despertou esperanças em todo o mundo.
Existem vários riscos. O crescimento do fascismo e da extrema direita é uma das hipóteses, caso a esquerda fracasse nas suas tarefas. Vale citar a atualidade da definição de Mandel sobre as condições propícias para o fascismo germinar, a partir da leitura de Trotsky:
"A massa dos pequenos burgueses, assim como a parte pouco consciente e desorganizada dos assalariados, sobretudo dos jovens operários e empregados, oscilará normalmente entre os dois campos. Eles terão tendência a se alinharem do lado daquele que manifestará maior audácia e espírito de iniciativa, eles apostam com boa vontade no único cavalo vencedor. É o que permite afirmar que a vitória do fascismo traduz a incapacidade do movimento operário em resolver a crise do capitalismo maduro segundo os seus interesses e objetivos. De facto, uma tal crise não faz, geralmente, senão dar ao movimento operário uma oportunidade de se impor. É somente quando ele deixa escapar esta oportunidade e a classe é seduzida, dividida e desmoralizada, que o conflito pode conduzir ao triunfo do fascismo". [Mandel, a teoria do fascismo em Leon Trotsky].
Vários cenários são possíveis. Uma vitória da Nova Democracia seria um "alívio imediato" para os mercados e para a Troika, porém com fôlego curto. O novo governo nasceria débil, muito questionado e teria que se encarregar de justificar as políticas que já se provaram impopulares, mantendo o memorando. Neste caso, Syriza apostaria na acumulação de forças, encabeçando a oposição de esquerda, com peso nos grandes centros urbanos, se postulando como uma alternativa para a uma crise aguda futura. Outro cenário seria a repetição do cenários pós 6 de Maio, o que seria difícil, vez que a pressão para que exista um governo é generalizada. Neste caso, a crise econômica deterioraria as condições de vida, levando ao "caos momentâneo", exigindo medidas extremas do conjunto dos atores políticos e sociais.
A vitória de Syriza seria um grande impulso para a esquerda no mundo. Contudo, como alertado, vários perigos afrontam esta vitória. O temido mergulho no caos é propagado pela elite grega. Qual seria a reação das bandas fascistas? Dos setores reacionários do aparelho repressivo de Estado? A pressão seria enorme por todos os lados. Como já dito, abriria uma nova situação, carregada de contradições mais pesadas e possibilidades reais de alteração nos rumos da gestão estatal.
A "porta estreita" da oportunidade histórica está aberta. A eleição do domingo 17 de junho pode ser este passo. Não será fácil ou simples. O caminho é sinuoso. Para responder ao bloqueio e as pressões dos poderosos da Grécia e da Europa, precisamos construir a solidariedade dos indignados. De fato são dias decisivos na Europa.Temos lado nesta batalha. O intenso século XXI tem sua "hora grega".
O PSOL mantém vínculos fraternais com Syriza. A presença de nossa companheira Luciana Genro nas atividades da campanha eleitoral de Syriza nos orgulha. Além de recolher preciosas informações sobre o processo, Luciana simbolizou nosso internacionalismo militante. A vitória e o avanço de Syriza é a vitória do PSOL e da esquerda socialista nos cinco continentes.
* Israel Dutra é do Diretório Nacional do PSOL.

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