sexta-feira, 1 de junho de 2012

Quando a fraqueza ajuda e a força atrasa

Por Roberto Robaina, em Sul21

A construção de partidos políticos da classe trabalhadora é um desafio enorme e difícil. Ao longo do século XX o movimento dos trabalhadores teve muitas experiências de construção de projetos partidários que respondessem aos seus interesses. É um consenso entre as principais correntes marxistas e pensadores socialistas do mundo que a experiência do PT no Brasil foi uma das mais ricas da América Latina. Não são poucos, aliás, os que sustentam que o PT se constituiu como a mais importante expressão no mundo da construção da classe trabalhadora como sujeito político.
 
De fato, o PT surgiu como desdobramento político das ações sociais do movimento sindical do final dos anos 1970, em particular do ABC paulista, se estendendo para petroleiros de Campinas, metalúrgicos de Canoas, bancários de SP e de Porto Alegre. Não é à toa que os principais líderes públicos do partido foram num primeiro momento os dirigentes sindicais. Nomes como o metalúrgico Lula, do ABC, do bancário Olívio Dutra, do sindicato de Porto Alegre, Jacó Bittar dos petroleiros de Campinas, Guschiken dos bancários de SP. A liga para permitir que o PT surgisse e se desenvolvesse rapidamente somente foi possível com a adesão à ideia de PT, desde o início, de organizações políticas de orientação marxista e das Comunidades Eclesiais de Base.
O PT cresceu entre as classes trabalhadoras e setores médios convertendo-se no partido mais forte entre estas parcelas da sociedade. Até 1989 foi um crescimento exponencial. Depois desta data o PT começou a se adaptar ao regime político burguês. Não temos espaço aqui para fazer um balanço exaustivo desta evolução. É lógico que a queda do muro de Berlim teve um forte impacto entre os quadros do partido. A partir de 1994 se consolidou um núcleo dirigente do partido ao redor da influência de Lula e de José Dirceu. A ideologia dominante do partido passou a ser de que sem alianças não se poderia progredir. Crescia no interior da direção a ideia de que forças sociais burguesas podiam ser parceiras no desenvolvimento do país. E embora ainda escondido, tímido, disfarçado, crescia na direção a proposta de que o PT não poderia romper os limites do capitalismo. Foi com esta orientação estratégica que o núcleo de direção ao redor de José Dirceu conduziu o PT e comandou a vitória eleitoral de 2002.
Enquanto este processo de condução partidária se operava existia sempre uma oposição interna no PT. Cabe destacar duas delas. A oposição que surgiu no Rio de Janeiro e a oposição existente no Rio Grande do Sul. A primeira foi derrotada em 1998; a segunda teve em 1998 sua grande vitória. No caso do RJ, a derrota da oposição de esquerda no interior do PT levou o partido a um enfraquecimento cada vez maior, até que perdeu capacidade de representar as classes trabalhadoras e setores médios, produzindo um vazio político à esquerda no estado do Rio de Janeiro. No Rio Grande do Sul, ao contrário, o PT seguiu crescendo e se apresentando socialmente como o partido representativo da esquerda. O elemento qualitativo da derrota da esquerda petista no Rio de janeiro ocorreu quando a direção nacional do PT conseguiu garantir a intervenção no estado impedindo a candidatura de Vladimir Palmeira para o governo fluminense. Ao invés de Vladimir, a direção nacional impôs a candidatura de Anthony Garotinho, então no PDT, com o objetivo de ter o apoio do PDT ao PT nas eleições presidenciais. As plenárias pela candidatura própria reuniam cerca de mil militantes entusiasmados. Tive o prazer de participar delas, ao lado de Vladimir. Quando a intervenção se consumou foi um duro golpe. O PT nunca mais seria o mesmo no Rio de Janeiro.
No Rio Grande do Sul, ao contrário, a esquerda sempre teve maioria e conseguiu se impor internamente e eleger Olívio Dutra. O dirigente político que sempre marcou o peso da esquerda no Estado foi Raul Pont. O governo de Olívio, embora tenha representado o ponto alto da esquerda do partido também representou o início da adaptação deste setor. Por isso quando Lula ganhou a presidência e começou a adotar uma política econômica de continuidade – escolhendo Meireles para a presidência do Banco Central e Sarney para a presidência do Senado – o PT gaúcho não ofereceu resistência e não manteve suas bandeiras anticapitalistas empunhadas. Aceitou que o governo fosse de aliança com a burguesia como defendia José Dirceu. Mesmo assim, a força dos que representavam a esquerda do partido permitia o reconhecimento social do partido e sua identificação com a esquerda, o que não ocorria, por exemplo, no Rio de Janeiro
Todas estas considerações são úteis para se compreender a atual situação dos trabalhadores em seu processo de construção de projetos políticos independentes. Na medida em que o PT assumiu a estratégia da colaboração de classes e de defesa do desenvolvimento do capitalismo, este partido abandonou a perspectiva de projeto independente dos trabalhadores, tal como foi sua marca nos anos 80. É claro que este abandono foi facilitado pela baixa atividade social, da redução das lutas operárias e populares dos anos 1990. Mas este abandono é inquestionável e os ideólogos do PT não escondem que sua estratégia é o desenvolvimento do capitalismo brasileiro, que parte do crescimento de um sólido núcleo de empresas nacionais, entre as quais se inclui as Vales, as Camargos Correas, Odebrechet, etc.
Então, a criação do PSOL surgiu da necessidade social da existência de uma esquerda anticapitalista e de uma representação política dos trabalhadores. Hoje este projeto está ainda no início. Quando Olívio Dutra se apresentou em 1982 não teve mais de 2% dos votos nas eleições para governador. Mas a necessidade do PT era um fato. Hoje a necessidade do PSOL salta à vista. No Rio de Janeiro, onde a esquerda do PT foi derrotada já em 1998, esta exigência por uma alternativa nova, um novo projeto de esquerda, vem batendo há algum tempo as portas da sociedade. Agora, pela primeira vez, esta alternativa que começou com a fundação do PSOL no Rio de Janeiro com a adesão de Carlos Nelson Coutinho, Leandro Konder, Milton Temer e centenas de ativistas, ganha um vôo e uma perspectiva de massas com a pré-candidatura de Marcelo Freixo à prefeitura. Lá o PT está de mãos dadas com o PMDB e o PSOL tem apoio de inúmeros setores sociais, tendo chances reais de ir para o segundo turno e ganhar as eleições.
Por aqui, no Rio Grande do Sul, o PT também se enfraqueceu. Mas a força da esquerda petista no passado ainda pesa nas mentes e corações de muitos. A construção de uma alternativa de esquerda ao PT enfrenta ainda as ilusões de que o PT representa um projeto de esquerda. Mas isso já não é mais assim. O símbolo de que a esquerda que o PT tinha no Rio Grande não tem mais força para alterar o curso geral do PT é que José Dirceu está totalmente à vontade no comando do partido. E nem mesmo em Porto Alegre, o que antes era a esquerda petista tem força capaz de marcar e definir a estratégia petista.
A falta de força e de perfil de esquerda do PT evidenciou-se novamente nos debates prévios à definição da candidatura do PT às eleições da prefeitura de Porto Alegre. Os líderes petistas mostraram-se divididos entre a candidatura própria, o apoio a Manuela e o apoio a Fortunati. Finalmente, aprovaram candidatura própria. Mas o candidato escolhido foi Vilaverde, aliado e defensor no Rio Grande do Sul da estratégia de José Dirceu, aliado desde 1998 aqueles que garantiram a intervenção no Rio de Janeiro e que consolidaram no PT a defesa das alianças com a burguesia. Raul Pont, mesmo sendo mais conhecido que Vilaverde entre a população portoalegrense e sendo um quadro mais experiente que Vila, perdeu a indicação. Sua derrota interna não foi o decisivo para mostrar a fraqueza interna atual de uma esquerda que antes foi forte, mas é simbólica para mostrar para a população que a construção de uma esquerda autêntica, um partido dos trabalhadores de fato não passa mais pelo PT.
No Rio Grande do Sul estamos mais atrasados que no Rio de Janeiro para essa construção. Até intelectuais que defenderam e muitos ainda defendem Dilma já estão com o candidato do PSOL. É o caso de Chico Buarque. Mas os dirigentes do PSOL gaúcho foram os que viram primeiro a adaptação do PT e apontaram a necessidade de construir uma alternativa. Não abandonamos a perspectiva de ruptura com o capitalismo. Experiências estão em jogo, como a que apresenta a coligação Syriza, na Grécia. Quem em algum momento se reivindicou da esquerda do PT ou que segue defendendo a necessidade da esquerda pode ajudar que a força da esquerda gaúcha continue. Mas isso não pode ser alimentando ilusões no PT.
Roberto Robaina é da Direção Nacional do PSOL e pré-candidato à Prefeitura de Porto Alegre

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