Quando a fraqueza ajuda e a força atrasa
Por Roberto Robaina, em Sul21
A construção de partidos políticos da classe trabalhadora é um
desafio enorme e difícil. Ao longo do século XX o movimento dos
trabalhadores teve muitas experiências de construção de projetos
partidários que respondessem aos seus interesses. É um consenso entre as
principais correntes marxistas e pensadores socialistas do mundo que a
experiência do PT no Brasil foi uma das mais ricas da América Latina.
Não são poucos, aliás, os que sustentam que o PT se constituiu como a
mais importante expressão no mundo da construção da classe trabalhadora
como sujeito político.
De fato, o PT surgiu como desdobramento político das ações sociais do
movimento sindical do final dos anos 1970, em particular do ABC
paulista, se estendendo para petroleiros de Campinas, metalúrgicos de
Canoas, bancários de SP e de Porto Alegre. Não é à toa que os principais
líderes públicos do partido foram num primeiro momento os dirigentes
sindicais. Nomes como o metalúrgico Lula, do ABC, do bancário Olívio
Dutra, do sindicato de Porto Alegre, Jacó Bittar dos petroleiros de
Campinas, Guschiken dos bancários de SP. A liga para permitir que o PT
surgisse e se desenvolvesse rapidamente somente foi possível com a
adesão à ideia de PT, desde o início, de organizações políticas de
orientação marxista e das Comunidades Eclesiais de Base.
O PT cresceu entre as classes trabalhadoras e setores médios
convertendo-se no partido mais forte entre estas parcelas da sociedade.
Até 1989 foi um crescimento exponencial. Depois desta data o PT começou a
se adaptar ao regime político burguês. Não temos espaço aqui para fazer
um balanço exaustivo desta evolução. É lógico que a queda do muro de
Berlim teve um forte impacto entre os quadros do partido. A partir de
1994 se consolidou um núcleo dirigente do partido ao redor da influência
de Lula e de José Dirceu. A ideologia dominante do partido passou a ser
de que sem alianças não se poderia progredir. Crescia no interior da
direção a ideia de que forças sociais burguesas podiam ser parceiras no
desenvolvimento do país. E embora ainda escondido, tímido, disfarçado,
crescia na direção a proposta de que o PT não poderia romper os limites
do capitalismo. Foi com esta orientação estratégica que o núcleo de
direção ao redor de José Dirceu conduziu o PT e comandou a vitória
eleitoral de 2002.
Enquanto este processo de condução partidária se operava existia
sempre uma oposição interna no PT. Cabe destacar duas delas. A oposição
que surgiu no Rio de Janeiro e a oposição existente no Rio Grande do
Sul. A primeira foi derrotada em 1998; a segunda teve em 1998 sua grande
vitória. No caso do RJ, a derrota da oposição de esquerda no interior
do PT levou o partido a um enfraquecimento cada vez maior, até que
perdeu capacidade de representar as classes trabalhadoras e setores
médios, produzindo um vazio político à esquerda no estado do Rio de
Janeiro. No Rio Grande do Sul, ao contrário, o PT seguiu crescendo e se
apresentando socialmente como o partido representativo da esquerda. O
elemento qualitativo da derrota da esquerda petista no Rio de janeiro
ocorreu quando a direção nacional do PT conseguiu garantir a intervenção
no estado impedindo a candidatura de Vladimir Palmeira para o governo
fluminense. Ao invés de Vladimir, a direção nacional impôs a candidatura
de Anthony Garotinho, então no PDT, com o objetivo de ter o apoio do
PDT ao PT nas eleições presidenciais. As plenárias pela candidatura
própria reuniam cerca de mil militantes entusiasmados. Tive o prazer de
participar delas, ao lado de Vladimir. Quando a intervenção se consumou
foi um duro golpe. O PT nunca mais seria o mesmo no Rio de Janeiro.
No Rio Grande do Sul, ao contrário, a esquerda sempre teve maioria e
conseguiu se impor internamente e eleger Olívio Dutra. O dirigente
político que sempre marcou o peso da esquerda no Estado foi Raul Pont. O
governo de Olívio, embora tenha representado o ponto alto da esquerda
do partido também representou o início da adaptação deste setor. Por
isso quando Lula ganhou a presidência e começou a adotar uma política
econômica de continuidade – escolhendo Meireles para a presidência do
Banco Central e Sarney para a presidência do Senado – o PT gaúcho não
ofereceu resistência e não manteve suas bandeiras anticapitalistas
empunhadas. Aceitou que o governo fosse de aliança com a burguesia como
defendia José Dirceu. Mesmo assim, a força dos que representavam a
esquerda do partido permitia o reconhecimento social do partido e sua
identificação com a esquerda, o que não ocorria, por exemplo, no Rio de
Janeiro
Todas estas considerações são úteis para se compreender a atual
situação dos trabalhadores em seu processo de construção de projetos
políticos independentes. Na medida em que o PT assumiu a estratégia da
colaboração de classes e de defesa do desenvolvimento do capitalismo,
este partido abandonou a perspectiva de projeto independente dos
trabalhadores, tal como foi sua marca nos anos 80. É claro que este
abandono foi facilitado pela baixa atividade social, da redução das
lutas operárias e populares dos anos 1990. Mas este abandono é
inquestionável e os ideólogos do PT não escondem que sua estratégia é o
desenvolvimento do capitalismo brasileiro, que parte do crescimento de
um sólido núcleo de empresas nacionais, entre as quais se inclui as
Vales, as Camargos Correas, Odebrechet, etc.
Então, a criação do PSOL surgiu da necessidade social da existência
de uma esquerda anticapitalista e de uma representação política dos
trabalhadores. Hoje este projeto está ainda no início. Quando Olívio
Dutra se apresentou em 1982 não teve mais de 2% dos votos nas eleições
para governador. Mas a necessidade do PT era um fato. Hoje a necessidade
do PSOL salta à vista. No Rio de Janeiro, onde a esquerda do PT foi
derrotada já em 1998, esta exigência por uma alternativa nova, um novo
projeto de esquerda, vem batendo há algum tempo as portas da sociedade.
Agora, pela primeira vez, esta alternativa que começou com a fundação do
PSOL no Rio de Janeiro com a adesão de Carlos Nelson Coutinho, Leandro
Konder, Milton Temer e centenas de ativistas, ganha um vôo e uma
perspectiva de massas com a pré-candidatura de Marcelo Freixo à
prefeitura. Lá o PT está de mãos dadas com o PMDB e o PSOL tem apoio de
inúmeros setores sociais, tendo chances reais de ir para o segundo turno
e ganhar as eleições.
Por aqui, no Rio Grande do Sul, o PT também se enfraqueceu. Mas a
força da esquerda petista no passado ainda pesa nas mentes e corações de
muitos. A construção de uma alternativa de esquerda ao PT enfrenta
ainda as ilusões de que o PT representa um projeto de esquerda. Mas isso
já não é mais assim. O símbolo de que a esquerda que o PT tinha no Rio
Grande não tem mais força para alterar o curso geral do PT é que José
Dirceu está totalmente à vontade no comando do partido. E nem mesmo em
Porto Alegre, o que antes era a esquerda petista tem força capaz de
marcar e definir a estratégia petista.
A falta de força e de perfil de esquerda do PT evidenciou-se
novamente nos debates prévios à definição da candidatura do PT às
eleições da prefeitura de Porto Alegre. Os líderes petistas mostraram-se
divididos entre a candidatura própria, o apoio a Manuela e o apoio a
Fortunati. Finalmente, aprovaram candidatura própria. Mas o candidato
escolhido foi Vilaverde, aliado e defensor no Rio Grande do Sul da
estratégia de José Dirceu, aliado desde 1998 aqueles que garantiram a
intervenção no Rio de Janeiro e que consolidaram no PT a defesa das
alianças com a burguesia. Raul Pont, mesmo sendo mais conhecido que
Vilaverde entre a população portoalegrense e sendo um quadro mais
experiente que Vila, perdeu a indicação. Sua derrota interna não foi o
decisivo para mostrar a fraqueza interna atual de uma esquerda que antes
foi forte, mas é simbólica para mostrar para a população que a
construção de uma esquerda autêntica, um partido dos trabalhadores de
fato não passa mais pelo PT.
No Rio Grande do Sul estamos mais atrasados que no Rio de Janeiro
para essa construção. Até intelectuais que defenderam e muitos ainda
defendem Dilma já estão com o candidato do PSOL. É o caso de Chico
Buarque. Mas os dirigentes do PSOL gaúcho foram os que viram primeiro a
adaptação do PT e apontaram a necessidade de construir uma alternativa.
Não abandonamos a perspectiva de ruptura com o capitalismo. Experiências
estão em jogo, como a que apresenta a coligação Syriza, na Grécia. Quem
em algum momento se reivindicou da esquerda do PT ou que segue
defendendo a necessidade da esquerda pode ajudar que a força da esquerda
gaúcha continue. Mas isso não pode ser alimentando ilusões no PT.
Roberto Robaina é da Direção Nacional do PSOL e pré-candidato à Prefeitura de Porto Alegre
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