sábado, 20 de agosto de 2011

Dois dias de informes diretos do Chile: a luta da juventude e da sociedade contra entulho da ditadura Pinochet, agora com Piñera
O site Juntos! Direto do Chile é uma preciosidade
O cacerolazo: estudantes secundários saem mais uma vez às ruas
 Publicado em 19 de agosto de 2011 por Nathalie Drumond
Ontem à noite fazia muitíssimo frio. A baixa temperatura ficava ainda mais insuportável devido à umidade. Como havia chovido todo o dia, o frio penetrava na pele junto com as gotículas de orvalho que caía na noite. Era dolorido estar na rua.
Decidimos sair por volta das 21h para acompanhar os panelaços que estavam convocados para os bairros. Estavámos alojados na casa de uma companheira estudante chilena que se localiza próxima ao bairro mais pobre de Santiago do Chile. Apesar de não lembrar em nada as favelas brasileiras, apelidaram-no de “Grand Favela”. Fomos acompanhar o cacerolazo deste bairro que também é o mais populoso de Santiago. 
Pegamos o metrô de superfície, em a cada estação podia-se ouvir o barulho das panelas batendo. A população ia tomando as principais esquinas com suas panelas. Não eram tantos, já haviam tido panelaços maiores nas semanas anteriores – como me explicaram os companheiros – mas pelo frio que fazia , e também pela falta de referência semelhante no Brasil, fiquei impressionada.
No cacerolazo em Punte Alto não havia muitos trabalhadores, mas sim muitas crianças e adolescente. Ai consolidei minha grande surpresa neste país, as crianças e os jovens de até 15 anos são a linha de frente dos protestos. Jovenzinhos se punham a socar as panelas. Tentavam fechar as esquinas parando os carros com suas próprias mãos. Era uma rebeldia contagiante. Voltamos para casa uma hora depois, com o fim do cacerolazo.
Em casa, conheci Benjamin Flores sobrinho de Gabriela Montiglio, a companheira que está me hospedando no Chile. Um jovenzinho de 13 anos que até então era muito parecido com aqueles da mesma idade que conheço no Brasil. Estava diante do computador conversando no msn com seus amigos, pouco queria falar porque estava mais entretido com seu fone de ouvido. Vestia-se também de forma engraçada, calças coloridas, tênis espalhafatosos e longas franjas. Sim, no Chile o tipo Restart também é um sucesso.
Às seis da manhã fui acordada por Benjamin. Precisava pegar em meu quarto as suas botas. Havia um certo alvoroço da parte de sua mãe e avó. Logo percebi porque, Benjamin estava se preparando para ir ocupar mais um colégio secundário. Explicou-me que encontraria seus companheiros – sim, ele me disse assim – da mesma idade para tomar mais uma escola, que havia sido desocupada recentemente pela força policial.
Benjamin está longe de ser uma liderança estudantil, não é engajado em nenhuma organização política ou algo do tipo. Mas assim como tantos, é um daqueles que está diariamente lutando em defesa da educação chilena. Que acordam cedo para ocupar as escolas, que nas marchas montam as barricadas contra a força policial, que saem tarde da noite de casa para cacerolar. E no Chile de 2011, existem milhares de Benjamins.
São muitos mesmos, que cantam com orgulho que vão repetir de ano porque suas escolas estão ocupadas há três meses contra a Educação de Pinochet. Perguntei a Benjamin onde encontrava motivação para tanto, ele me respondeu que sua mãe e seu pai faziam o mesmo contra a ditadura e que agora é sua vez. Benjamin saiu entusiasmado, contando a todos como seria a tomada da escola de hoje. Sua vó beijou-o no rosto e desejou-lhe sorte. Ao fechar a porta o jovenzinho deixou para trás adultos cheios de orgulho e esperança.
Por Thalie Drumond

70 mil guarda-chuvas e um impasse
O sistema educacional chileno é, na verdade, uma enorme cadeia de endividamento geral da sociedade. As mães, pais e os próprios estudantes passam décadas pagando juros a bancos, muito depois de finalizarem seus estudos.
Por Joana Salém Vasconcelos
Neste dia 18 de agosto ocorreu mais uma grande marcha em Santiago do Chile, convocada por professores, estudantes secundários e universitários, em defesa da gratuidade na educação pública chilena. Piñera encomendou chuva, e conseguiu neve! Nevou em Santiago durante 30 minutos, no bairro de Las Condes e Vitacura (os bairros mais ricos), enquanto a marcha prosseguia no centro da cidade, debaixo de muita água e de um vento polar. A sensação térmica foi de 3 graus.
Marcha no Chile em 18 de agostoMesmo assim, 70 mil pessoas compareceram às ruas para demonstrar sua persistência de lutar por democracia real. Um oceano de guarda-chuvas. Menos faixas, e mais capas plásticas. Uma forte convicção presente: a educação gratuita é uma condição básica da democracia, e o povo chileno não vai desistir de conquistá-la. Igual, prossegue a intransigência brutal do presidente Piñera. Ontem, o Ministro da Educação, Felipe Bulnes, reafirmou a proposta do governo: fiscalizar o lucro, criar uma superintendência responsável pela fiscalização, ampliar bolsas, abaixar os juros. Leia-se: legalizar o lucro, criar um novo órgão burocrático para alojar mais um empresário da educação no governo, criar melhores condições de endividamento dos jovens chilenos. O impasse se aprofunda.
O Financiamento das Universidades
Atualmente, 40% dos estudantes universitários chilenos já não podem pagar suas dívidas. Baixar os juros, afinal, é uma medida necessária para permitir que o endividamento ocorra em condições favoráveis ao credor, do contrário serão dezenas de milhares de moratórias. Patria es EducaciónO sistema de financiamento estatal da universidade chilena é feito de dois modos: direto e indireto. O aporte financeiro direto é o dinheiro que o Estado repassa diretamente às universidades públicas. Esse dinheiro, contudo, representa somente de 30 a 40% do orçamento necessário destas universidades. O resto é “autofinanciado”, ou seja, financiado pelos estudantes. Já o aporte indireto é fornecido pelo Estado para as universidades públicas e privadas, a partir do critério de mérito dos estudantes. São 200 mil estudantes que realizam uma prova nacional, e destes somente os primeiros 27.500 (13%) receberão o aporte. Mas ele é indireto, porque o Estado entrega o dinheiro à universidade, e não diretamente ao estudante. Deste aporte indireto, cerca de 70% se direciona para as universidades públicas e 30% para universidades privadas, que não tem nenhum compromisso de transparência administrativa. O governo Chileno gasta aproximadamente 0,6% do PIB com ensino superior público. Já com educação em geral, somando todos os níveis, gasta cerca de 4% do PIB.
O que é a municipalização da educação no Chile?
A situação é ainda mais injusta com o sistema de municipalização da educação básica, vigente desde 1981. Municipalidad, no Chile, corresponde a bairro. Isso significa que cada bairro é uma unidade orçamentária que financia a educação de um pequeno local. Os bairros de classe alta possuem vastos recursos e pouca demanda de serviços públicos, enquanto os bairros de periferia possuem poucos recursos e uma altíssima demanda destes serviços. A reprodução da desigualdade social, e seu aprofundamento, é perfeitamente garantido por esse sistema, que faz com que nenhum centavo dos ricos circule fora de seus bairros. Ao mesmo tempo, os bairros pobres ficam abandonados à própria sorte, e os professores tem que se virar com recursos escassos para ensinar.
O impasse
A desigualdade educacional chilena chegou ao seu limite. Os secundaristas cantam nas marchas: “Voy repetir, voy repetir!”. Estão dispostos a perder o ano para não pagar mais pela educação. Isso pode significar um colapso parcial do sistema educacional chileno no próximo ano: não haverá novos alunos no ensino médio.
O presidente Piñera é comprometido intensamente com os setores do empresariado da educação, que mais lucram com o atual sistema. Além disso, por suas origens ideológicas comuns com Pinochet, sua postura intransigente é absoluta. Inábil e ditatorial. Não vai ceder, e ponto.
O impasse a que se chega, então é esse: um governo incapaz de avançar um passo na direção das demandas da sociedade; uma sociedade mobilizada, persistente e convicta, que tampouco vai sair das ruas enquanto não receber uma resposta efetiva de mudança. Só resta saber quanto tempo essa corda será tensionada sem arrebentar. A boa notícia é que a sociedade chilena tem a possibilidade de reconquistar a democracia, que desde 1991 está limitada ao direito de votar.
Fonte dos dados de educação:

Primeiras horas no Chile: uma Marcha com 100 mil
Por Nathalie Drumond, publicado em 18 de agosto de 2011
Milhares marcham sob a chuva em Santiago do ChilePrimeiro post, sempre mais difícil começar. Mas para este blog não há muito segredo, ele será uma espécie de diário de bordo da estada no Chile e do rumo das mobilizações. Trataremos de política, não apenas daquela dos profissionais de gabinete, mas principalmente de uma nova forma de se fazer política que tem despontado neste último período. É sobre a política que move mulheres e homens a tomar as ruas e as praças pelo mundo que trataremos aqui, mais especificamente daquela que está sendo criada e recriada com as mobilizações do Chile. Inspirada pelos dizeres dos niños ao longo da marcha de hoje “que se perca o ano letivo, mas não se deixe passar a educação de Pinochet”. Já basta! É tempo de construir o novo e ele está em nossas mãos.
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Desembarquei em Santiago do Chile por volta das 10h da manhã, às 11h já estava na marcha convocada na praça Los Heroes. Eram dezenas de milhares de pessoas, quase uma centena.
Caía uma chuva forte e a sensação térmica era de 3 graus. Os trabalhadores do transporte organizavam uma paralisação no mesmo dia. Havia poucos ônibus nas ruas.
E mesmo assim via-se muitas crianças, adolescentes, jovens, senhores, senhoras. Todos empunhando pequenos cartazes de solidariedade ou portando faixas apresentando as reivindicaçoes. A luta em defesa da educação pública é histórica no Chile. Mas é a primeira vez desde a ditadura militar que se tem um processo tão massivo. Em outros anos os estudantes secundários, Los Pinguinos, haviam organizado expressivas manifestações. Mas este ano é diferente. Estão nas ruas também os universitários e toda sorte de gente que se solidariza com a causa estudantil. É diferente também não apenas pelo cenário chileno, cujo governo de Piñera conta com mais de 60% de rechaço, mas pela própria situação mundial. Na marcha via-se algumas bandeiras do Egito. Imagino que tais bandeiras carregam para estas pessoas o símbolo da luta daqueles que tomaram seus destinos pelas mãos.
Sem dúvida, esta também é a principal lição que os chilenos estão dando. Estão saindo às ruas há mais de três meses contra um modelo educacional privatista, por uma educação pública, verdadeiramente gratuita, de qualidade e acessível a todos. E mesmo com a repressão, com a chuva e com a intransigência do governo não se deixam abater. Seguem firmes passo a passo, aguardando o passo atrás do governo.
Após a marcha os jornais noticiavam “chilenos vencem a chuva e impõem mais uma derrota ao sistema”.
A marcha terminou bem, sem enfrentamento com a polícia, apesar das provocações e do tremendo aparato de guerra que o Estado mobiliza para intimidar as mobilizações.
Para às 20h está previsto um panelaço, hora em que os trabalhadores podem sair às ruas manifestar também sua solidariedade. Aguardem mais notícias.
Saudações desde o Chile e até breve.
Thalie

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