quarta-feira, 22 de junho de 2011

Adesão à financeirização esvazia profissão de economista
Por
Rogério Lessa, Monitor Mercantil
Para comemorar os 60 anos da regularização da profissão de economista, o Conselho Regional de Economia (Corecon-RJ) promoveu o Encontro dos Economistas do Sudeste. O encontro, no entanto, ficou marcado pelas críticas ao esvaziamento da profissão, já que a crença no mercado como organizador natural da economia tem prevalecido, em detrimento do planejamento. Outro fato marcante no evento foi a preocupação com a desindustrialização acelerada que o país vive e o agravamento de sua vulnerabilidade estrutural.
"Se a economia do país vai bem, porque pagamos, para os títulos com vencimento em dez anos, 12% de taxa de juros, enquanto países em notória crise, como Irlanda, Portugal e Espanha, pagam, respectivamente, 10,8%, 9,8% e 5,2%?", indagou, Antonio Corrêa de Lacerda, professor da PUC-SP e doutor pelo IE/Unicamp, que já presidiu o Conselho Federal de Economia (Cofecon).
Lacerda atribui ao câmbio o papel protagonista no processo de desindustrialização e reprimarização que a economia, para ele, está vivendo.
"Desde 2008, o real já se valorizou mais de 40%, enquanto uma cesta com as principais moedas teve valorização de 10%. Isso sem falar que o diferencial entre o iuan chinês, subvalorizado, e o real já atinge 50%", comparou, lembrando que, nos anos 90, o Brasil viveu situação parecida": E deu em crise cambial", acrescentou.
Tragédia
De acordo com o ex-presidente do Cofecon, a participação da indústria de transformação no PIB brasileiro caiu de 27,2%, em 1985, para apenas 15,8%, ano passado: "Dizer que isso se deve ao crescimento do setor de serviços, como acontece nos países desenvolvidos, não é válido, porque no Brasil a desindustrialização é precoce e resulta da falta de competitividade", compara.
Com relação à penetração dos produtos mais sofisticados (de média e alta intensidade tecnológica) no mercado internacional, Lacerda considera que o país vive uma tragédia: "O déficit comercial, que era de US$ 16 bilhões no início do século, fechou 2010 em US$ 65 bilhões, puxado pelos semicondutores e pela indústria química e máquinas e equipamentos."
Na outra ponta, o economista lembrou que a participação dos produtos primários na pauta de exportações dobrou, de 23% para 45%.
Para inverter esse cenário, ele não acredita que seja possível compensar a valorização cambial com investimentos em infra-estrutura, capacitação profissional, financiamento à inovação ou ganhos de produtividade:
"Os problemas macroeconômicos (política monetária ortodoxa, câmbio valorizado e aperto fiscal) são tão grandes que anulam as demais iniciativas. E a conseqüência é a geração de empregos de baixa qualificação e a dependência econômica", lamenta.
Retrocesso irreversível
Mesmo fazendo parte do governo, o economista Alexandre Comin, diretor do Departamento de Competitividade Industrial do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Decoi/Mdic), concordou que o Brasil vive um processo de desindustrialização: "É um processo grave de desindustrialização relativa, sobretudo na comparação com os países asiáticos", disse, alertando para o risco de "retrocesso irreversível".
Comin reconheceu que o papel da indústria não diminuiu em importância nem nos países desenvolvidos: "O valor adicionado manufatureiro nos países industrializados manteve-se estável nos últimos 30 anos. Em 1980, a participação era de 23%, contra os atuais 20%. Na média mundial, esse índice sobe para 22%. Além disso, houve crescimento de 27% no valor adicionado manufatureiro mundial desde os anos 90", contabiliza.
Quanto ao perfil das exportações dos países ricos, o diretor do Decoi/Mdic destaca que os produtos industrializados mantêm participação de 70% na pauta desde 1980:
"Já o Brasil viu a participação da indústria de transformação no PIB cair desde o Plano Real, enquanto na China essa proporção mais que dobrou", diz, lamentando que, hoje, "indústria de alta tecnologia no Brasil tenha apenas um nome: Embraer".
Comin lamenta também que, mesmo nas exportações de bens primários, tenha se acentuado o grau de concentração: "Praticamente, nossas exportações estão concentradas em minério, carnes, grãos e ferro-aço. Mesmo sem o efeito preço, o quantum exportado de não manufaturados cresceu 80% desde o ano 2000. E, se nos tornarmos exportadores de petróleo, esse quadro vai se agravar", adverte.
Relação automática
Hoje o Brasil participa com apenas 0,85% das exportações mundiais de manufaturados: "Infelizmente, essa participação vem caindo aceleradamente desde 2005."
Na outra ponta, a penetração de importados em nossa indústria saltou de 26,4%, em 2005, para 35,5%. O diretor do Decoi/Mdic afirma que a relação câmbio-exportações manufatureiras tem sido automática desde 1989: "Nenhuma indústria sobrevive ao câmbio sobrevalorizado. Por outro lado, foi exatamente nos períodos de industrialização que a renda per capta brasileira se aproximou mais da média do mundo desenvolvido. Hoje estamos de volta quase ao nível do início do século 20", compara.
"Estamos nos aproximando das maquiladoras mexicanas. Em 2005, os setores têxtil, veículos, máquinas e equipamentos e materiais elétricos eram superavitários. Em 2010 todos se tornaram deficitários", prossegue, advertindo que, em 2010, o saldo comercial de US$ 20,2 bilhões teria sido déficitário em US$ 8 bilhões se fossem mantidos os termos de troca de 2009.
"A preços de 2005, o déficit seria superior a US$ 17 bilhões", compara, acrescentando que os vendedores de produtos primários não têm influência alguma sobre os preços: "Enquanto isso, o consumo de importados já cresceu 33% no primeiro trimestre deste ano na comparação com o mesmo período do ano passado", arremata.
Ciência doente
Por sua vez, o presidente do Corecon-RJ, João Paulo de Almeida Magalhães, integrante do Conselho Editorial do MM, lembra que a geração de economistas da qual faz parte levou o país a crescer 7% ao ano durante mais de três décadas.
"Hoje, afirmam que não é possível crescer mais que 5% por causa da submissão às metas de inflação, mesmo que o modelo leve à desindustrialização", critica, destacando que o próprio governo, através de publicações do Instituto de Política Econômica Aplicada (Ipea) tem feito críticas ao PIB potencial, que determina um limite ao crescimento sustentado.
"O Ipea reconhece que a política monetária tem sido um obstáculo ao desenvolvimento. Cabe, então, ao cozinheiro, fazer o bolo, pois a receita já está dada pelo Ipea: desenvolvimento pressupõe crescimento sustentado de 7% ao ano e a industrialização precisa ser protagonista desse projeto."
Para a professora da Universidade de São Paulo (USP) Leda Paulani, a Economia, como ciência, encontra-se doente: "A Crise de 29 não foi estéril do ponto de vista teórico. Ela amadureceu uma percepção da Economia que já existia, mas ainda não tinha ganhado o devido destaque: a macroeconomia, que se contrapunha à visão anterior, microeconômica."
Já a crise que se agravou em 2008, para Leda, não trouxe qualquer contribuição teórica, pelo contrário: "Os modelos da visão consensual não oferecem nenhuma forma de lidar com as crises sistêmicas. Os economistas aceitaram a visão de que a liberalização financeira promove a criatividade e a concorrência", critica, lembrando que as previsões do FMI e Banco Mundial para o volume de comércio mundial em 2009 eram, respectivamente, de crescimento de 6% e 9%. "A realidade mostrou uma queda de 12%", resume a economista.

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