segunda-feira, 27 de junho de 2011

O Ce$pe em novo formato - novas estratégias de privatização?
Por
Frederico Flósculo Pinheiro Barreto* - Publicado em O Miraculoso

A trajetória do CESPE nos seus 40 anos de existência tem alguns paralelos com as várias, infindas (porque ainda tentarão) tentativas de privatização da Universidade Pública. Isso não significa dizer que o CESPE nasceu como parte de uma estratégia de privatização da Universidade Pública, de forma necessária e claramente colocada. Mas o espetáculo da captação de recursos através de uma instância nascida desde a Universidade Pública sempre foi um poderoso argumento a favor de sua paulatina privatização.
O CESPE é o grande motor financeiro da UnB hoje, quando está a transformar-se em Empresa Pública controlada pela Universidade Pública. Sintam-se em nossa Wall Street candanga ao passar em seus corredores silenciosos, repletos de gente discreta e bem educada.
Um estranho motor, fortalecido pela mentalidade liberalista que assumiu o controle da política desde a redemocratização do País, em 1985. Nem os militares levaram a sério a diretriz de privatização da Universidade Pública, ou que a Universidade Pública prestasse serviços, de forma privilegiada.
Na retomada democrática, estranhas teses acerca de uma universidade pública à moda norte-americana, privatizada no todo ou em partes, tornou-se eventualmente forte, e comemora mais de 26 anos de insidiosa e democrática penetração. Afinal, a república deve permanentemente discutir a natureza de sua Universidade Pública, inclusive sua paulatina privatização.
Essa é uma tese que desafia constantemente a nossa defesa de uma Universidade Pública e Gratuita. A nossa defesa é mesmo boa? Temos demonstrado que é realmente vantajoso para a sociedade brasileira ter uma Universidade Pública e Gratuita? Temos realmente punido os muitos corruptos que se apoderam privadamente de seus recursos e poderes para se beneficiar? Temos dado prioridade à divulgação de todos os conhecimentos que detemos, de todos os livros que cada professor quer publicar, de todos os eventos e serviços que poderiam transformar radicalmente a sociedade brasileira?
A verdade é que, por incompetência de seus defensores e por tímida competência de seus opositores, essa tese privatizadora ATÉ AGORA não conseguiu prevalecer. Mas pingo d'água em pedra dura tanto bate até que a Universidade Pública "muda", para pior.
Algumas pérolas do projeto privatista foram criadas e perseveram, como o CESPE. Essa é, sem sombra de dúvida, uma das maiores jóias da defesa privatista, de uma Universidade Menos Pública e Menos Gratuita.
Com esse motor movido a grana capturada do bolso dos concurseiros e de uma boa variedade de serviços prestados à Nação, o CESPE sustenta a UnB, "complementando" a retirada de cena do MEC, paulatina e gradual, à moda de Golbery do Couto e Silva e sua famosa fórmula de democracia-de-qualidade. Quem não se lembra do melhor-do-pior dos anos 1970?
A questão do CESPE e sua semente privatizadora é institucionalmente constitutiva e mostra alguma falta de caráter da Universidade Pública. Caráter no sentido de marca distintiva, de atitude. Qual é o caráter dessa Universidade Pública ambiguamente privatista? Nesse sentido deve ficar claro: o CESPE é uma instância de privatização da Universidade Pública. A moça está a se virar, rodando a sua bolsinha no mercado de serviços. É esse o caráter, é essa a marca da Universidade Pública que queremos?
O CESPE, meus amigos, não é Ensino, não é Pesquisa, não é Extensão. Não é nada constitutivo da Universidade Pública, segundo a Constituição Federal ou segundo sequer o Estatuto da Universidade de Brasília. O que é o CESPE? É uma magnífica e bem sucedida instância privatizadora, DENTRO da desejada e esperançosa Universidade Pública. Não importa se agora é Empresa Pública: continua a trocar fluidos com a Universidade Pública, de forma insidiosa.
A questão é: até quando vamos suportar essa contradição?
A questão também é: já que a grana do CESPE nos ajuda a suportar essa gostosa contradição, qual a real democracia universitária presente na gestão dos recursos generosamente capturados pelo CESPE?
Quantos professores da UnB, com livros para publicar, são procurados pelo CESPE ao longo de toda a sua vida de trabalho, ao longo das mais de três décadas de existência do CESPE e instâncias precursoras, para que PUBLIQUEM TODOS OS LIVROS REPRESADOS, e que poderiam beneficiar a sociedade brasileira com a ciência brasileira, com a prosa brasileira, com a arte brasileira?
Uma terceira questão: por quê o CESPE não patrocina uma ampla discussão acerca da viabilidade, da desejabilidade, da sustentabilidade de uma Universidade Menos Pública e Menos Gratuita? Isso não acontece por falta de coragem ou por estratégia (“Essas Coisas Não Se Discutem; Essas Coisas Se Fazem”)?
Esse círculo de privilegiados que suga o CESPE, mamando em suas generosas tetas, mostra que a nossa Universidade Pública está SELETIVAMENTE (com trocadilho, por favor) "comprada e vendida" à idéia da privatização SELETIVA, do que chamam "a Boa Privatização", a "NOSSA PRIVATIZAÇÃO". Não se trata de uma proposta de gestão nem pública nem realmente privada. É Cosa Molto Piú Nostra, e de um grupo silente e controlador. Para o partido no poder, é uma bela e contraditória sinecura, no meio de uma instituição que deveria ser eticamente bem resolvida, universalizada, regida por princípios realmente públicos - e não é.
* Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UnB
.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pelo comentário.