Eleições no Peru: “A assembléia constituinte sempre foi a bandeira do Partido Nacionalista Peruano”, diz Tito Prado
No segundo domingo do mês, dia 9 de abril, ocorreram as eleições presidenciais no Peru. As eleições para a sucessão do Alan Garcia (APRA) foram marcadas pela fragmentação dos defensores do projeto neoliberal no Peru em diversas candidaturas, de um lado, e, de outro, pela candidatura nacionalista, de Ollanta Humala do PNP.
O resultado apurado mostrou o descontentamento com o atual projeto de desenvolvimento peruano e revelou o desejo de mudanças. Ollanta Humala foi o primeiro colocado, com 31,7% dos votos totais e enfrentará o segundo turno contra Keiko Fujimori, filha do ex-presidente Alberto Fujimori, hoje condenado a 25 anos de prisão por violação dos direitos humanos durante seu governo (1990 a2000).
Pedro Fuentes, Secretário de Relações Internacionais do PSOL, entrevistou Tito Prado, membro-fundador do Partido Nacionalista do Peru, o mesmo partido de Ollanta Humala sobre a situação política Peruana.
Pedro Fuentes – Tito Prado, primeiro gostaria de agradecer por conceder essa entrevista à Secretaria de Relações Internacionais do PSOL, mesmo estando num processo bastante agitado de campanha política no Peru. Gostaria que você nos contasse como está o cenário político peruano nessas eleições nacionais.
Tito Prado – O primeiro fato a relatar é que, nós, do “Ganha Peru” (Gana Perú), obtivemos a vitória no primeiro turno, que ocorreu na última semana, dia 9 de abril. A coalizão é encabeçada pelo Partido Nacionalista do Peru (PNP).
A vitória de Ollanta Humala no primeiro turno representa a vitória do povo peruano contra os partidos da ordem, e contra os candidatos que defendem o projeto neoliberal. Mas agora, no segundo turno, estão tentando esmagar essa vitória. Os partidos neoliberais se unem e isso obriga o Nacionalismo a suprimir parte de seu programa e propor o novo Pacto de Unidade Nacional.
Agora, nesse novo período de disputas, há forças políticas empurrando a posição do partido mais ao centro, o que significaria deixar para trás, ou deixar de lado, o programa pelo qual o povo peruano optou no primeiro turno. Concretamente, o risco que corremos é de que se assuma em campanha um discurso que não ataque as reformas neoliberais; de que deixe o modelo econômico neoliberal em pé, atribuindo-lhe certo conteúdo social. Podem ser mantidos os Tratados de Livre Comércio (TLC) com Estados Unidos, Europa, China, Chile, etc. Outro ponto crítico é que Ollanta já não fala da Assembléia Constituinte, que todo o povo julga um passo imprescindível. Ela acabaria com a constituição criada sob o governo de Fujimori, que é uma constituição espúria, antidemocrática e com muito espaço para o desenvolvimento do projeto neoliberal.
A assembléia constituinte, sempre foi a bandeira do PNP, mas hoje em dia, dizem que já não há essa condição de mudança.
Pedro Fuentes –No Brasil, se diz que a campanha política que está sendo feita por Ollanta Humala está muito orientada pelo PT e pelo exemplo de Lula. Dizem, inclusive, que os marketeiros do PT estariam no Peru para coordenar a campanha eleitoral. Isso é verdade?
Keiko Fujimori
Tito Prado – Sim, é verdade. Há uma grande equipe de assessores brasileiros que impulsiona o partido a ter esse “entendimento” programático com os partidos da direita. A tal ponto que a campanha já fala publicamente de construir um Governo de Unidade Nacional e de construir um pacto social que comprometa os empresários, os trabalhadores.
Antes mesmo da realização do segundo turno (em 5 de junho) eles irão desenhar possíveis composições de gabinetes, ou seja, a composição do governo. Isso seria uma forma de tranqüilizar os setores empresariais. Nessa proposta, comporiam o gabinete de Ollanta, velhos expoentes do neoliberalismo no Peru que estiveram presentes em governos anteriores, que foram ministro de Toledo, etc. Até mesmo Pablo Kuczynski, terceiro colocado nas eleições do dia 9 e que representa o setor mais conservador, mais direitoso da política peruana é cogitado para ser ministro de um possível governo de Ollanta.
Pedro Fuentes – E na sua opinião, qual o papel que cumpre a participação dos marketeiros do PT na eleição? Por que estão se envolvendo com a eleição no Peru?
Tito Prado – O Brasil tem uma estratégia com o Peru, devido a importantes obras de infraestrutura que realizam no aqui. Sem contar, o interesse brasileiro em acessar o Pacífico e potencializar o comércio com a Ásia. Então houve uma política do governo brasileiro para usar o Peru como plataforma de seu próprio governo. Houve muita resistência das comunidades originárias. Mas agora, Ollanta tem dito publicamente que os compromissos com o Brasil são benéficos. Então, está dado que, caso eleito, ele terá que enfrentar a resistência da população. A influência do Brasil, portanto, é muito forte. Tanto que, a direita, que costumava “acusar” Ollanta de ter proximidade com Chaves, de ser um de seus agentes na América Latina, agora condenam a intromissão do governo brasileiro nos assuntos peruanos e no processo eleitoral do Peru. O fato é que Ollanta se tornou uma peça da política brasileira e distancia-se cada vez mais de Chaves, Evo e Correa. Agora, a proposta é fazer um governo de unidade nacional, com espaço para empresários e trabalhadores e, com isso, as principais bandeiras do PNP, como a Assembléia Constituinte, foram postas de lado.
Ainda assim, a posição do povo peruano, tem sido de apoiar sua vitória, contra os representantes da parte mais conservadora da sociedade. O triunfo de qualquer uma das demais candidaturas, significaria uma volta ao passado. Então, os setores da classe média, os setores mais democráticos, estão com essa candidatura e querem impor a essa derrota a Keiko Fujimori. Mas existem contradições, já que ele está abandonando as reivindicações populares.
Pedro Fuentes – E há oposição a essa política dentro do PNP?
Tito Prado – Sim. Dentro do PNP e fora do partido também. Tem havido manifestações, sobretudo no que diz respeito à Assembléia Constituinte. Dentro do partido há fortes críticas, mas elas vêm também da Confederação Nacional dos petroleiros, da Confederação Nacional dos Portuários, da Confederação Camponesa do Peru, de frentes regionais. Houve também um parlamentar do PNP que manifestou-se publicamente, afirmando que apoiaria Ollanta, mas que seu apoio estaria condicionado a que ele defendesse o programa nacionalista. Segundo o parlamentar, as figuras públicas do partido deveriam defender seu programa independentemente de qual seria o resultado eleitoral. Então, é claro que vai haver resistência. Muitos setores estão atentos ao que Ollanta está fazendo e estão sendo cautelosos, pois sabem que nesse momento, a discussão toda parece se encerrar em torno dos votos, mas que a questão da assembléia constituinte é central no país. É provável que haja uma articulação pró-assembléia constituinte, pró-referendo (que seja construído pela população e respeitado pelo governo).
sexta-feira, 29 de abril de 2011
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