sábado, 16 de abril de 2011

Greves operárias nos canteiros das usinas do PAC no Rio Madeira, Pecém, Suape e São Domingos
Por Hugo R C Souza e Mário Lúcio de Paula, de A nova democracia (AND)
80 mil operários se rebelam contra escravidão nas obras do PAC
"Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem". A célebre frase do poeta e teatrólogo revolucionário alemão Bertolt Brecht descreve com exatidão o quadro atual das revoltas operárias nas obras de construção das usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, no Rio Madeira, Rondônia; na usina de São Domingos, no Mato Grosso do Sul;  na termelétrica de Pecém, no Ceará, e no complexo industrial petroquímico de Suape, em Pernambuco.

Revolta em Jirau: operários incendeiam instalações da empreiteira Camargo Corrêa
Numa terça-feira, dia 15 de março, explodiu uma revolta operária no gigantesco canteiro de obras da usina hidrelétrica de Jirau, onde se concentram aproximadamente 22 mil trabalhadores. O monopólio das comunicações vendeu a notícia de que a revolta em Jirau começou com uma briga entre operários e motoristas de ônibus. Os fatos e denúncias que se seguiram desmontaram a patranha e revelam a existência de verdadeiros cativeiros de operários submetidos a condições desumanas de trabalho.
As obras da usina hidrelétrica Jirau estão situadas a cerca de 150 km da capital de Rondônia, Porto Velho. Segundo denúncias de trabalhadores e moradores da região, para lá se dirigem milhares de operários arregimentados por aliciadores conhecidos como "gatos", recrutados em vários estados, principalmente no Nordeste, atraídos pelas promessas de bons salários e de excelentes condições de vida e de trabalho. Chegando lá, eles são postos em alojamentos precários, submetidos a todo tipo de humilhações nos canteiros de obras, havendo inclusive denúncias de castigos físicos, péssima alimentação, jornada de trabalho extenuante, regime de "barracão", entre outras arbitrariedades. As obras da usina hidrelétrica de Jirau são realizadas pelo chamado Consórcio Energia Sustentável do Brasil, composto por Suez Energy, Camargo Correa Investimentos, Eletrosul Centrais Elétricas e Companhia Hidro Elétrica do São Francisco.
Após meses de desrespeito, humilhações e agressões, os operários desataram um grande protesto. Mais de 40 ônibus foram queimados, bem como armazéns e alojamentos. A força nacional de segurança foi enviada pelo gerenciamento semicolonial para reprimir o protesto.
Cativeiros de operários
Em 23 de março, o jornalista Leonardo Sakamoto publicou em seu blog na internet blogdosakamoto.uol.com.br:
"Conversei com jornalistas que foram cobrir a situação causada pelos protestos no canteiro de obras da hidrelétrica de Jirau, em Rondônia. Quase todos foram com uma pauta sobre vandalismo, mas voltaram com um número maior de matérias tratando de graves problemas trabalhistas e de sério desrespeito aos direitos fundamentais.
Mesmo passando o necessário filtro nos rumores e boatos que correm de um lado para o outro nessas horas quentes, ainda assim o que sobra já dá para arrepiar o cabelo.
Denúncias de maus tratos, condições degradantes, violência física. Coisas que acionistas de grandes empresas não gostam de ver exposto por aí e, por isso, são repetidas vezes negadas pelos serviços de relações públicas ao longo de anos.
O que aconteceu em Jirau tem um mérito: escancarou a caixa preta das grandes obras ligadas ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), trazendo à tona o que vem sendo alardeado há tempos por movimentos sociais e organizações da sociedade civil: que esses canteiros se tornaram máquinas de moer gente — noves fora os impactos ambientais e nas populações locais.
E olha que não estou nem recorrendo à minha cantilena e falando do caso de trabalho escravo em Jirau em 2009, quando 38 pessoas aliciadas no Maranhão foram resgatados enquanto trabalhavam para a Construtora BS, que prestava serviço ao consórcio responsável pela construção da usina. Mas sim de um processo estrutural causado pela pressa em terminar e gerar energia, pelos cortes de gastos e pela necessidade de manter a lucratividade do empreendimento."
Sakamoto ainda repercute denúncias de relações semifeudais de exploração nos canteiros de Jirau:
"Não estou querendo justificar a destruição da farmácia que atendia os trabalhadores, por exemplo. Mas é impossível entender todo o contexto se não for explicado que a dita atuava praticamente em um esquema de "barracão", fazendo com que trabalhadores contraíssem dívidas ilegais. Jornalismo tem que tratar de causas e consequências."
Revoltas operárias
No dia 11 de fevereiro, pelas mesmas razões que levaram à revolta dos operários de Jirau, explodiu em Pernambuco, nas obras da refinaria Abreu e Lima, no complexo industrial petroquímico de Suape, uma grande rebelião dos operários, que foi brutalmente reprimida e resultou na morte de um operário, ficando outro gravemente ferido por tiros disparados, segundo denúncias, por um dos seguranças do sindicato oportunista "dos trabalhadores". No dia 18 de março, os operários da Abreu e Lima deflagraram uma greve que já dura duas semanas. Eles exigem o pagamento de 100% das horas extras, reajuste do vale-alimentação, entre outras reivindicações. A paralisação das obras no complexo de Suape, onde também opera a Odebrecht, envolvem 34 mil operários e se estende até a data do fechamento desta edição de AND.

Operários tratados como bandidos sob a mira da Força Nacional de Segurança
No dia 18 de março, 16 mil operários das obras da hidrelétrica Santo Antônio, no estado de Rondônia e nas mesmas águas do Rio Madeira, também deflagraram greve. As obras são realizadas pelo Consórcio Construtor Santo Antônio, composto pelas empreiteiras Andrade Gutierrez e Construtora Norberto Odebrecht. De acordo a publicação Valor Econômico de 23 de março, "o sindicato dos trabalhadores da construção civil, que opera sob uma espécie de intervenção branca de dirigentes da Central Única dos Trabalhadores (CUT), improvisou uma assembleia no pátio de Santo Antônio e decidiu, em acordo com a Odebrecht, esvaziar as dependências da usina". Os operários reivindicam reajustes de até 35%, maior participação nos lucros, alterações nos planos de saúde, revisão de descontos indevidos e o pagamento das horas-extras, além da redução dos preços nas lanchonetes privadas do canteiro.
Na sequência dessas lutas, os trabalhadores da Usina Termelétrica de Pecém, no Ceará, entraram em greve exigindo melhores condições de trabalho. Mais de dois mil trabalhadores dessas obras, oriundos do interior, foram transferidos para as obras no litoral e também exigem o direito de visitar periodicamente os familiares. Apesar de o Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região ter declarado a greve ilegal, os trabalhadores mantiveram os piquetes e as mobilizações.
No dia 24 de março, os trabalhadores da usina de São Domingos, localizada entre os municípios de Ribas do Rio Pardo e Água Clara, a 250 km de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, revoltados com as péssimas condições de trabalho deflagraram um combativo protesto após um operário ser agredido por um segurança das obras. O consórcio responsável pelas obras de São Domingos é formado pelas empresas Engevix e Galvão. Há semanas os trabalhadores denunciavam o não pagamento das horas-extras e as péssimas condições dos alojamentos. Durante a revolta dos cerca de mil trabalhadores, parte dos alojamentos e instalações da usina foram incendiados. Oitenta operários foram presos durante os protestos e cinco contiuavam detidos até o fechamento dessa edição de AND.
Todas essas grandes obras fazem parte do decantado Programa de Aceleração do Crescimento — PAC, utilizado como grande trunfo na campanha petista para a eleição de Roussef. As construções são tocadas por grandes empreiteiras como a Camargo Corrêa, Odebrecht, Andrade Gutierrez, OAS, entre outras. Esses grupos e empreiteiras foram os principais financiadores da campanha eleitoral de Roussef e Serra e todas receberam vultosos recursos federais nos últimos anos para a execução de obras. Todos também contaram com recursos bilionários do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social — BNDES. Juntas, as obras de Jirau e Santo Antônio receberam mais de R$ 13 bilhões do banco e, ainda assim, descumprem a legislação trabalhista e mantém as condições subumanas de trabalho denunciadas pelos trabalhadores em seus canteiros de obras.
Segundo a Agência Estado, até o dia 23 de março, "cerca de 80 mil trabalhadores da construção civil estavam em greve nas obras de construção das usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antonio e nos complexos portuários de Suape (PE) e Pecém (CE)".
Estado de sítio

No dia 18 de março, o Ministério da Justiça publicou uma portaria no Diário Oficial da União autorizando o emprego da Força Nacional de Segurança Pública "em caráter episódico e planejado" para reprimir a luta dos operários de Jirau. As forças de repressão foram enviadas para Rondônia para ficarem durante 30 dias, "prorrogáveis se necessário".
No dia 22 de março, estudantes da Universidade Federal de Rondônia — UNIR, foram até as obras da usina de Santo Antônio prestar solidariedade aos operários em greve. Eles distribuíam um panfleto de apoio à luta quando foram abordados por "capangas vinculados ao consórcio construtor Santo Antônio" que tentaram expulsá-los do local. [fonte: nota do Centro Acadêmico de Ciências Sociais da Unir publicada em  rondoniaaovivo.com em 22 de março de 2010

De acordo com a denúncia veiculada pelo Centro Acadêmico de Ciências Sociais da UNIR, os capangas teriam agredido verbalmente os estudantes, feito provocações e os agredido fisicamente, provocando escoriações e um hematoma na cabeça de um deles.
Enquanto esses fatos ocorriam, centenas de operários da usina de Jirau foram transferidos pela construtora Camargo Corrêa para um alojamento precário, cercado pelas forças nacionais de repressão.
O jornal Estado de S. Paulo, porta-voz da grande burguesia esclarecida, não defendeu os operários, longe disso, mas mesmo ele demonstrou maior interesse pelo assunto que os dirigentes cutistas. Em 22 de março o portal estadao.com.br publicou:
"Enquanto mais de 300 trabalhadores das obras da usina de Jirau ainda se amontoavam em alojamentos precários, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) discutia, na manhã de ontem, em um hotel de Porto Velho, o espaço político no governo e o comando sindical dos canteiros das margens do Rio Madeira.
A conversa do tesoureiro da CUT, Vagner Freitas, e sindicalistas locais parecia diálogo de empresários e representantes do Planalto. Em 30 minutos de conversa ouvida pela equipe do Estado, Freitas não citou a situação dos trabalhadores."
Outro braço do monopólio da imprensa, a Folha de S. Paulo de 21 de março,  publicou uma série de denúncias de operários das obras de Jirau. Eles protestavam e diziam estar sendo tratados como bandidos pelas forças policiais.
"Sem se identificar, um trabalhador de Ipatinga (MG), 49, queixou-se da quantidade de policiais fortemente armados que fazia a vigilância dos abrigos. Para ele, os policiais estavam ali para proteger a cidade e não os trabalhadores."
A Camargo Corrêa fretou ônibus e vôos em uma verdadeira operação de deportação dos operários desalojados da usina de Jirau. Em uma tentativa frustrada de embarque de 150 trabalhadores para Belém — PA, em 20 de março, os trabalhadores ficaram, tal qual prisioneiros, sob as miras das armas da Força Nacional de Segurança.
"É a maior humilhação que já sofri na vida. Veja quantos policiais. Todos no aeroporto nos olhando como se fôssemos bandidos. E a única coisa que eu quero é ir embora", diz um trabalhador de 35 anos, oriundo de Tucuruí (PA).  [folha.com de 21 de março de 2010]


Obras do PAC: Canteiros de morte
Um levantamento recente realizado em 21 grandes obras que somam R$ 105,6 bilhões de investimentos, revelou 40 mortes de operários desde 2008. Seis dessas mortes apenas nas usinas de Jirau e Santo Antônio, em Rondônia.
O levantamento engloba desde grandes obras como hidrelétricas até as obras do programa "Minha Casa, Minha Vida".
O jornal Luta Classista de fevereiro de 2011, disponível em lutaclassista.wordpress.com, já apontava que:
"A atual expansão do setor da construção vem acompanhada de um aumento inaceitável de "acidentes" e de péssimas condições de trabalho. Em 2008, foram 49 mil acidentes no setor, 70% maior que o registrado em 2004 segundo os dados da Previdência Social. Os números relativos aos anos de 2009 e 2010 ainda não estão disponíveis, mas levantamentos feitos pelos sindicatos e as notificações do Ministério do Trabalho indicam que os acidentes aumentaram de forma muito grave. Esses acidentes crescem à medida que aumenta a precarização das condições de trabalho e as contratações no setor.
A construção lidera a maior taxa de mortalidade dentre todos setores econômicos do Brasil. A totalidade desses acidentes é consequência direta do sistema de exploração e precarização do trabalho operário. A falta de equipamentos de proteção e segurança coletiva e individual, ausência de treinamentos adequados e de alimentação, são algumas das principais causas. A competição acirrada entre as construtoras e a pressão pelo cumprimento dos apertados cronogramas, além dos baixos salários, obrigam os operários a fazerem horas extras e cumprirem excessivas, exaustivas e perigosas jornadas de trabalho. Os operários são tratados como meros objetos descartáveis."

Concílio pró patronal         
No dia 29 de março o gerenciamento semicolonical convocou, a toque de caixa, uma reunião com as centrais sindicais chapa-branca para atacar a luta dos operários nas obras do PAC.
A reunião, presidida pelo ministro Gilberto Carvalho, definiu pela criação de uma comissão composta por patrões e "trabalhadores" para "gerenciar a crise nos canteiros de obras". Participaram da seção de conciliação de classe: a Central Única dos Trabalhadores — CUT; Força Sindical; Central Geral dos Trabalhadores do Brasil — CGTB; Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil — CTB; União Geral dos Trabalhadores — UGT; Nova Central Sindical de Trabalhadores — NCST; e Coordenação Nacional de Lutas — Conlutas.
Entre os insultos contra a classe operária proferidos no citado encontro estão declarações como a do presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada — Sinicon, Luiz Fernando Santos Reis, que sem franzir um músculo da face "assegurou que existem parâmetros de qualidade nas obras, que oferecem segurança e cursos profissionalizantes" e ainda garantiu que "não existe atividade mais fiscalizada no país do que a construção pesada." [www.secretariageral.gov.br]
O diretor de Comunicação da Camargo Corrêa, Marcello D'Angelo, afirmou categoricamente que "a infraestrutura do canteiro de obras de Jirau se destaca pela qualidade dos alojamentos, separados em alas femininas e masculinas, com ar condicionado, banheiros e refeitório". [www.secretariageral.gov.br]
Abrindo o coro patronal, dias antes, Vagner Freitas, tesoureiro da CUT já havia dito, entre outras declarações, que os operários "têm que voltar a trabalhar. Eu sou brasileiro, quero ver essa usina funcionando", disse. Em seguida, usou um discurso típico do governo: "O Brasil precisa de energia limpa. A obra da usina precisa voltar a funcionar, porque a sociedade está sendo prejudicada". Na mesma ocasião "ele orientou os colegas do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil (Sticcero) a continuar a briga na Justiça para garantir a representatividade dos operários dos canteiros de Jirau e de Santo Antônio. O Sticcero é acusado de 'peleguismo' pelos trabalhadores. 'Se a Camargo (Corrêa) quer conversar com vocês em São Paulo, não tem problema. A gente pode ajudar nas negociações por cima.'" [fonte: www.estadão.com.br em 22 de março de 2010]

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