Por que somos Pino Solanas nas eleições argentinas?
Por Alejandro Bodart
O surgimento do Proyecto Sur representa uma oportunidade imensa para o povo argentino, pois logramos empalmar, com amplo espaço político, um dirigente com peso e simpatia de um setor muito importante do movimento de massas. Nossa corrente (MST) sempre buscou confluir com outras organizações de esquerda e especialmente com os setores que vem do peronismo. O peronismo é uma das tradições mais arraigadas de nosso povo e diversas vezes avançou em posições progressistas. Por exemplo, em 1985 com a Frente del Pueblo, formada por diversos setores da esquerda marxista e peronista. Sem embargo, todas as tentativas anteriores de unidade apresentaram limites. Talvez porque os velhos partidos e o regime político não atravessavam a crise terminal na qual se encontram hoje, fruto da luta do argentinazo e da nova etapa mundial aberta com a crise econômica.
Ventos de mudança
Atualmente, as enormes mudanças que ocorreram aqui permitem aos socialistas do MST a perspectiva certeira de atual como parte integrada de um movimento político com peso eleitoral e no movimento de massas. Para além desse peso, é possível se desenvolver como força orgânica para ação anti-imperialista e emancipatória em todos os cantos do país. Um mundo que atravessa a crise de regimes tradicionais e ventos de mudança…
Nos últimos anos, buscamos avançar na elaboração teórica e política com a mente aberta às enormes mudanças que se produziram. É necessário compreender melhor o período histórico da luta de classes mundial, analisar suas particularidades e criar as propostas e programas alternativos com tonalidade revolucionária e projeção nas massas. Estamos diante de uma nova etapa mundial, que fecha o momento histórico que começou com a queda do muro de Berlim em 1989. Essa nova etapa histórica se caracteriza pela crise econômica do capitalismo, a maior crise sofrida pelo sistema em todos os seus aspectos: político, econômico, cultural, ideológico, militar, moral. Essa crise intensificou mudanças de todo tipo, e permitiu novos fenômenos políticos diversificados em todos os países do mundo. O levante das massas árabes do norte da África é uma das expressões desta nova realidade e provocou uma mudança geopolítica de magnitude equivalente à da queda do stalinismo na Europa oriental.
A América Latina, por sua vez, é um pólo de vanguarda da nova situação mundial. A decomposição de regimes e velhas direções políticas é uma marca do continente, bem como o surgimento de correntes nacionalistas de esquerda com influência de massas. Em nosso país, Argentina, as jornadas revolucionárias de dezembro de 2011 nos sintonizaram com os processos de luta mais avançados. Sem embargo, as debilidades objetivas do processo da luta social e a falta de uma alternativa revolucionária com influência de massas para aproveitar a crise e resolvê-la a favor da classe trabalhadora, impediram que a oportunidade histórica fosse plenamente aproveitada. Além disso, as contradições da situação argentina nos levaram à auto-crítica, e dela tiramos conclusões que nos armaram melhor para a disputa política ampla na sociedade.
Surge uma alternativa de massas na Argentina
Os Kirchner, mais que todos, souberam aproveitar as fraquezas do processo da luta de classes na crise de 2001, com um projeto neoliberal cheio de disfarces e duplos discursos. Porém, ainda há um enorme espaço à esquerda na super-estrutura burguesa. Com o surgimento do Proyecto Sur, abriu-se uma conjuntura mais favorável para o povo. O MST se incorporou plenamente a esse movimento liderado por Pino Solanas[1].
Kirchner entregando patrimônio natural argentino à mineradora Barrick Gold canadense
Apesar de obterem sucesso político considerável, os Kichner não puderam reverter o quadro estrutural de crise do regime e descrédito das principais direções da burguesia. O desgaste sofrido pelo oficialismo permanece latente e a atual situação política o acelera.
A simpatia nacional de Solanas e a vitalidade do movimento Proyecto Sur são a expressão nacional do novo momento. A curva descendente que vive o kichnerismo, não só NÃO fortalece a direita (como o governo pretende divulgar), mas sim ao contrário, abre espaço à esquerda, ocupado por nós. Essa potencialidade faz com que o Proyecto Sur possa se transformar num dos fenômenos mais avançados do continente, um salto de qualidade para a esquerda revolucionária latino-americana.
Ainda que a oportunidade se inaugure na luta eleitoral, este projeto político pode transcender a eleição e se tornar um movimento social ativo e plural que dê respostas aos problemas sociais, econômicos e ambientais mais graves do país. Necessitamos construir uma ferramenta revolucionária ampla, com influência de massas, que possa se sustentar ao longo do tempo e manter vivas as reivindicações populares. Essa tarefa já foi iniciada com o Proyecto Sur.
A esquerda sectária, que não se uniu ao nosso movimento, está fadada à marginalidade política e ao oportunismo. Não há nenhuma possibilidade de disputar a influência de massas sem concretizar alternativas amplas de organizações políticas. Esta conclusão é baseada na nossa história recente: crises revolucionárias como em 2001 (argentinazo) nunca poderão gerar rupturas se não houver um partido plural da esquerda, que unifique marxistas, nacionalistas, peronistas, anti-imperialistas. A crise revolucionária sem direção política se dissolve nos projetos típicos da classe dominante. Os pequenos agrupamentos auto-proclamatórios não contribuem para a luta de classes.
Por isso, estamos nos preparando para chegarmos ao “próximo argentinazo” com uma ferramenta revolucionária mais preparada para dirigir a ruptura do regime. Com o Proyecto Sur poderemos nos referenciar junto às massas, e preparar uma coluna de quadros qualificados e prontos para assumir as tarefas da transformação revolucionária.
O que é o Movimento Proyecto Sur?
Em primeiro lugar, é um movimento amplo que contempla um setor importante da vanguarda política da esquerda argentina e possui considerável influência de massas. Nesse sentido, é a versão “a la argentina” de uma organização de novo tipo como o PSOL no Brasil e o NPA na França. Tem algo em comum com o que foi a Frente Ampla e o PT (brasileiro) em suas origens. É uma organização anti-imperialista e inimiga dos grandes grupos econômicos, com apelo forte democrático. O MST é a ala esquerda do movimento: é a ala diretamente anti-capitalista, e que luta pelo socialismo. Para abarcar as diferenças interiores da esquerda, é preciso que o Proyecto Sur garanta vigorosa democracia interna e isso lhe dá vitalidade. Solanas é a síntese do Proyecto Sur, e é uma das pontes que liga o programa transformador com o setores populares das massas. Solanas incide sobre distintos setores do povo, a partir de sua identidade com a defesa dos recursos naturais e do patrimônio público.
Atualmente existem 5 forças nacionais que compõem o movimento Proyecto Sur: o partido Proyecto Sur, o espaço fundador da candidatura de Pino Solanas, com intelectuais e militantes nacionalistas populares; o Partido Socialista Autêntico (PSA), que veio do velho Partido Socialista, no qual já foi filiado Solanas; uma corrente da Central de Trabalhadores da Argentina (CTA), cuja figuras mais proeminentes são Claudio Lozano (na Capital) e Victor De Gennaro (na província de Buenos Aires); o Libres del Sur, que realizou sua experiência com o kirchnerismo e rompeu; e o MST. Está em processo de integração no Proyecto Sur, o Partido Comunista Revolucionário, de orientação maoísta e grupos locais muito qualificados.
A principal polêmica interna do Proyecto Sur é sobre as alianzas: devemos permanecer irreconciliáveis ao bipartidarismo, o que nós defendemos, ou não. A segunda polêmica é se construímos o Proyecto Sur como ferramenta estratégica de longo prazo ou somente como uma frente eleitoral tática. Nestes debates, o MST se aproximou das posições de Pino Solanas, do Partido Proyecto Sur e do PSA. Um terceiro debate é sobre a melhor localização estratégica de Solanas, ou seja, se disputamos a prefeitura da Capital com grandes chances de ganharmos, ou se o localizamos como figura nacional para disputar um projeto mais global de sociedade.
Programa anti-imperialista e anti-capitalista
O Proyecto Sur defende um programa básico sintetizado em 5 pontos:
1. Igualdade, justiça social e fim da pobreza.
2. Recuperação dos recursos naturais e da soberania nacional, pela defesa do patrimônio e meio ambiente. Isso integra a estatização do petróleo, das mineradoras, do patrimônio metalífero, do sistema de transporte naval e aeronáuticos públicos.
3. A radicalização da democracia, por meio de plebiscitos de controle social, incluindo o plebiscito revogatório, e inauguração de uma Assembléia Constituinte para refundação do país.
4. A causa da cultura e da educação, baseadas em ética de solidariedade, respeito, tolerância e dignidade humana.
5. A reconstrução das indústrias e serviços públicos, o desenvolvimento técnico-científico e a integração soberana da América Latina.
Cada uma destas causas expressam propostas específicas de um anti-imperialismo radical e propositivo, que ocupa importante papel nos países dependentes ou semi-coloniais como o nosso. Ainda mais no contexto de mudanças do nosso continente.
Nós, como corrente anti-capitalista, assimilamos como ponto de partida o programa do Movimiento Proyecto Sur e o integramos às propostas de transição ao socialismo, nossa estratégia histórica. Estratégia que conquista horizontes, à medida que se fortalece essa nova organização política ampla.
* Alejandro Bodart é Secretário Geral do MST e membro da direção nacional do Movimiento Proyecto Sur
[1] Fernando “Pino” Solanas: exitoso diretor cinematográfico, referência cultural e política de longa trajetória no país. Atualmente é deputado federal. Foi a surpresa das eleições de 2009 e esteve a poucos votos de ganhar na Capital.
sexta-feira, 29 de abril de 2011
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