sexta-feira, 29 de abril de 2011

A hora do povo argentino
* Observação editorial -  O título original deste artigo é “A Hora dos Fornos”, referência a um filme de Pino Solanas que conta a história de  trabalhadores das fábricas de tijolos no norte da Argentina, que se submetem a condições infra-humanas nos grandes fornos de alta temperatura. Alteramos somente para que faça mais sentido ao leitor brasileiro.
Por Manuel Justo Gaggero.-**

Com o título “A Hora dos Fornos” Fernando Solanas (conhecido como Pino)
produziu, em 1968, na clandestinidade, um memorável documentário sobre o neocolonialismo e a violência, exibido em 70 países. O filme obteve numerosos prêmios em Festivais Internacionais.
O caminho percorrido pelo filme foi quase uma lenda.  Apesar das numerosas projeções realizadas na Argentina e interrompidas pela plícia, as detenções e o seqüestro das cópias, chegaram a circular 50 delas e se calcula que mais de 300 mil pessoas o assistiram. É um fantástico testemunho de uma época, que finaliza com a impactante e emocionante imagem de Che Guevara assassinado na Bolívia. Hoje Solanas é candidato à presidência Argentina pelo Proyecto Sur, uma nova força política que se opõe ao bipartidarismo justicialista-radical, e é composto por grupos como Livres do Sul, Movimento Socialista dos Trabalhadores, o Partido Socialista Autêntico, a maioria da Central de Trabalhadores Argentinos, partidos de bairro, e movimentos ambientalistas. Solanas nasceu em Buenos Aires em fevereiro de 1936. Seu pai era um destacado médico, que dirigiu durante quase 20 anos o Hospital Público de Vicente López, cidade localizada na Província de Buenos Aires. Fernando – aliás, Pino – desde muito jovem se relacionou com pensadores vinculados ao que poderíamos chamar de “nacionalismo revolucionário”. Assim, foram seus professores Carlos Astrada, Raúl Scalabrini, Ortiz, Ernesto Jauretche y John William Cooke, entre outros.
Toda sua atividade artística esteve, ao largo de estes 50 anos, estreitamente vinculada ao seu compromisso político e é por isso que produziu o filme que dá título a este artigo. O filme lhe deu forças de alta inserção na vanguarda política e na vanguarda formal, como assinalou Paolo Antonio Paranaguá, diretor do Cinema du Ref. de París.
Em 1970 fundou, com Octavio Getino, o grupo Cine Liberación, e no ano seguinte foi convocado pelo General Juan Domingo Perón para filmar dois documentários com entrevistas ao líder ancião. Nessa oportunidade, José Lopez Rega, “El Brujo”, aquele sinistro personagem que emergiu em 25 de março de 1973, Ministro do Bem Estar Social e Secretário Geral de Estadoo, perguntou a eles se não eram “infiltrados”… A militância de Pino na Resistência de 1955-1958 foi suficiente para desmentir esta acusação.
Depois, Nos tumultuosos anos 70, Solanas filmou “Os Filhos de Ferro”, uma magnífica crônica visual da resistência e das lutas por libertação ao longo da história argentina. Então, começou a receber ameaças da sinistra Triple A, um bando paramilitar que assassinou, entre 1973 a 1976, cerca de 1500 ativistas sociais e políticos, estudantes e profissionais.
Além disso, houve uma tentativa de seqüestro de Pino executada por um comando da Marinha de Guerra e depois determinaram que ele iniciasse o caminho do exílio. Radicou-se na França. Lá, participou ativamente das denúncias dos crimes da ditadura, apoiando a atividade de organismos de directos humanos que se desenvolviam dentro e fora do país. Junto com Envar El Kadri, Arianne Mouskhine e Miguel Angel Estrella fundou a Associação Internacional em Defesa dos Artistas.
Com o retorno da democracia, com os filmes “Tanguedia” e “O exílio de Gardel” nos revelou quão difícil foi para muitos argentinos, como o autor deste artigo, viver no ostracismo. Depois, com os filmes “Sul”, “A Viagem” e “A Nuvem”, Pino Solanas seguiu batalhando filmograficamente, revelando uma sutileza, uma profundidade, e uma coragem civil reconhecidas nacional e internacionalmente.
Em março de 1991, Solanas afirmou que o governo nacional encabeçado por Carlos Saul Menem formava “um bando de delinqüentes que estavam saqueando o país”. A resposta foi um atentado perpetrado por agentes de inteligência do Estado, que lhe dispararam 6 balas nas pernas e deixaram seqüelas. Solanas, na assim chamada “segunda década infame” (1999-2000), denunciou a entrega do petróleo e do gás, a venda da YPF e o desmantelamento do sistema ferroviário mais importante do Continente.
Enquanto se produziam estes despojamentos, a atual presidenta da Nação Cristina Fernandez de Kichner e seu esposo aplaudiam estas decisões e qualificavam Carlos Menem como “o melhor presidente que já teve Argentina depois de Perón”.
Na Convenção Constituinte de 1994, enquanto a atual presidenta votava a favor da disposição constitucional que habilitava a reeleição do seu “Padrinho” Menem, Pino Solanas, junto do Bispo Jaime de Nevares, denunciou o pacto de radicais e justicialistas. O pacto bi-partidário havia criado um “pacotão fechado” que limitava os temas a serem debatidos, inviabilizando, por exemplo, a discussão sobre a co-participação federal, ou seja, a distribuição dos impostos nacionais nas Províncias.
Ao mesmo tempo, como deputado nacional, denunciava a obra de Yaciretá, um verdadeiro monumento à corrupção, e todos as nagociatas do ‘Menemcracia’, realizando intensa atividade legislativa em defesa do patrimônio e dos recursos natuarais nacionais. Nestes dias, Kichner, Parilli, Fernandez e seus amigos festejavam a venda, a preço vil, da YPF.
Solanas ajudou a fundar a ‘Frente Grande’, porém se apartou da organização diante do giro à direita de Carlos Alvarez, que acabou aliando-se com o radicalismo, ao mesmo tempo que integrava a fórmula presidencial da Frente do Sul (que obteve 7% dos votos em 1995).

Solanas, atuando como parlamentar, fundou uma organização em defesa da energia – chamada “Moreno” – e se opôs à aliança que levou ao governo a Fernando De la Rua e Domingo Cavallo (ministro da Economia de De la Rua). Durante as mobilizações de 2001, aderiu à consigna “que se vayan todos” (que se vão todos) e começou a filmar, junto aos protestos populares, uma série de documentários que se transformaram no melhor registro da época. Os filmes “Memórias de um Saqueio”, “A dignidade dos ninguéns”, “Terra sublevada”, “Argentina Latente”, “A última estação” e “Ouro impuro” relatam a extorsão a que estamos sendo submetidos, a entrega de nosso patrimônio nacional, a destruição dos serviços públicos, a crescente exclusão social.
Solanas, assim como foi o primeiro que “saiu da porta giratória” denunciando a Menemcracia em 1991, encarna hoje a oposição contra o falso progressismo que encobre a política entreguista, claramente anti-democrática, do atual governo. Governo este sustentado por uma burocracia sindical corrupta, pelos barões do Buenos Aires que representam a narco política policial.
O DESAFIO

Hoje Solanas faz parte de um empreendimento político – o Proyecto Sur – constituído por peronistas, nacionalistas, revolucionários, socialistas, marxistas, radicais, cristãos da Teologia da Libertação, ambientalistas, grupos operários anti-burocráticos, sindicalistas organizados na CTA maioria, militantes estudantis, movimentos de bairro, entre outros.
Trata-se de unir a diversidade, reconhecer as diferenças e sintetizá-las no que Pino chamou de “grandes causas”:
1. Recuperar os recursos naturais, hoje nas mãos de multinacionais (petróleo, gás, etc)
2. Democratizar a democracia, derrubando os obstáculos de participação popular e gerando formas de democracia direta.
3. Terminar com a exploração mineira a céu aberto e rescindir as concessões outorgadas à Barrik Gold e outras mineradoras multinacionais.
4. Reconstruir a rede ferroviária para potenciar o crescimento industrial e a produção regional.
5. Impulsionar uma política internacional independente, retirando as forças militares argentinas do Haiti, participando ativamente da integração latino-americana, denunciando ações colonialistas dos EUA.
6. Levar adiante uma ação de recuperação das Ilhas Malvinas, sancionando as empresas que explorem os recursos petrolíferos e pesqueiros existentes.
7. Assegurar a plena vigência dos direitos humanos, exigindo aos altos mandos da forças armadas a entrega de toda a informação que possuem sobre o destino dos seqüestrados-detidos-desaparecidos durante o terrorismo de Estado de 1974 a 1983.
8. Processar os responsáveis econômicos, hoje beneficiados pelo oficialismo, e ontem impulsionadores do golpe de 1976.
9. Acabar com as torturas e os tratos cruéis e aberrantes nos presídios, e com a polícia de gatilho-fácil.
10. Produzir uma revolução cultural, que acabe com a descriminação em todos os âmbitos, e fortaleça um pensamento anti-colonial e libertador.
11. Punir com penas máximas o crime de corrupção, incorporando esse crime no código penal.
Essas são algumas das ações que defendemos, com intento de realizar um grande movimento nacional que denuncie o bipartidarismo e a política pseudo-progressista de Cristina Kichner. O projeto de Kichner expressa continuidade com o programa de março de 1976, com o golpe militar, aprofundado por Carlos Menem (hoje aliado do governo) durante a chamada “segunda década infame”.
Como ontem com “A Hora dos Fornos”, Pino e os que o acompanham estão a frente de um grande desafio, que seguramente vale à pena ser enfrentado.

** Abogado argentino –asesor de Fernando Solanas  .ex director del diario “El Mundo” y de las  revistas “Nuevo  Hombre” y Diciembre 20”

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