quinta-feira, 2 de junho de 2011

A relação carnal de Palocci com os banqueiros. FORA PALOCCI!
Como ele aprendeu, com desenvoltura, a pedir dinheiro aos grandes financistas
Por Hugo Studart, de Brasil 247

É preciso voltar dez anos no tempo para compreender a incrível, fantástica, inacreditável e extraordinária força de Antônio Palocci na política brasileira. Era Novembro de 2000 quando um banco espanhol, o Santander, aparece por essas bandas, as Índias Ocidentais, e arremata, por R$ 7,05 bilhões, o Banespa. Na época, o PT ainda era um partido que se dizia socialista e que tinha entre suas bandeiras a luta contra a corrupção e, principalmente, contra as privatizações que vinham sendo promovidas pelos tucanos. Contra as vendas federais, por FHC. E contra as privatizações paulistas, promovidas por Mário Covas e, depois, por Geraldo Alckmin.
No caso do Banespa, um pouco mais de 50 prefeitos petistas, reeleitos ou recém-eleitos, ameaçavam retirar suas contas do banco, agora sob administração espanhola. Prefeituras grandes, algumas delas as maiores do País, como e São Paulo, Bernardo do Campo, Santos, Campinas e Ribeirão Preto. Achavam um pecado mortal movimentar as contas correntes das prefeituras em um banco privado, pior, privatizado, pior ainda, multinacional. Na maior das ameaças, queriam retirar as folhas de pagamento (o file mignon) do Santander. Seria um início desastroso para os espanhóis no Brasil. Mas os espanhóis tinham uma excelente carta na manga, um executivo, então vice-presidente do Santander, que conhecia muito bem o prefeito de Ribeirão Preto, Antônio Palocci. O nome do executivo, a esta altura aposentado, não é essencial conhecer. 

Palocci era um político meio enrolado em sua terra. Vinha enfrentando acusações de corrupção, como favorecimento de empreiteiras locais, como uma tal de Leão-Leão, especializada em coleta de lixo, compra e venda de terrenos urbanos e ligações perigosas com usineiros. O caso mais polêmico daquele momento era o uma concorrência fraudulenta para a merenda escolar das crianças, no qual o prefeito Palocci queria latas de ervilha com molho de tomate peneirado, especiaria que só tinha um único fornecedor.
Mas Palocci já era o mesmo sujeito sonso e quase cínico de hoje. Os que precisavam de seus favores, também naquela época preferiam defini-lo como afável, bom de conversa, um caso paradoxal de ex-trotsquista flexível. O executivo do banco foi procurá-lo e pedir ajuda. O teor da conversa, o acordo entre eles, é segredo que ambos devem levar para o túmulo. O fato concreto é que Palocci convocou uma reunião com os prefeitos petistas de sua região, Ribeirão. Ao final, convenceu todos a manter as contas de suas prefeituras no banco multinacional. Na sequência, mais reuniões com prefeitos de outras regiões. E mais outras. Ao fim e ao cabo, Palocci havia convencido toda a prefeitada petista e manter-se fiel ao Santander.
Um ano depois, no início de 2002, acontece uma tragédia no PT. Celso Daniel, prefeito de São Bernardo, é assassinado – em um caso que até hoje a cúpula petista esforça-se para abafar a apuração. Oficialmente, Daniel seria o “coordenador do programa de governo” da candidatura de Lula à Presidência da República. Ora, esse título era só um eufemismo. Na verdade, Celso Daniel seria o arrecadador de recursos da campanha, o PC Farias de Lula. Era essa sua verdadeira função, cuidar do caixa dois. Mal o caixão baixou à sepultura, Lula anuncia que o prefeito Palocci seria seu novo “coordenador do Programa de Governo”.

Entre Março de Abril de 2002 Lula organiza sua primeira “palestra” para grandes empresários. “Palestra” é o eufemismo para pedir recursos ou, no popular, “passar o chapéu”. Desde a eleição presidencial de 1989, o esquema de arrecadação para grandes campanhas funciona mais ou menos com a mesma ritualística. Primeiro algum amigo empresário organiza uma “palestra” com o candidato, seja ele Collor, FHC, Serra ou Lula, e convida banqueiros ou capitães da indústria. É um encontro relativamente público. Nem tão ostensivo a ponto de chamar a atenção de gente miúda. Nem tão reservado a ponto de chamar a atenção da imprensa. Esses encontros sempre obedecem ao mesmo ritual. O candidato fala suas intenções para a economia e os empresários fazem perguntas. O mais importante desses encontros é observar a principal companhia do candidato. Ou seja, quem o candidato vai apresentar aos empresários.
Aquele primeiro encontro de Lula com os empresário foi organizado com a ajuda do mesmo executivo do Santander. Lula levou Antônio Palocci. Apresentou-o como “meu coordenador do Programa de Governo”. Trocaram cartões, Palocci e os empresários. Cerca de 20 naquele primeiro encontro. Mas Palocci era tão caipira, tão inexperiente, estava tão deslumbrado com a nova função, que ensaiou pedir dinheiro naquele encontro, na frente de todo mundo. Levou um puxão de orelhas do preceptor do Santander. O executivo explicou preocupado ao afilhado deslumbrado que, ali, em um convescote público, ele não poderia pedir nada a ninguém, em hipótese alguma.
Deveria se ater a sorrir amarelo e trocar cartões de visitas. Primeiro porque o candidato estava presente. Jamais deveria pedir dinheiro na frente do candidato. Segundo porque seria pecado mortal falar de dinheiro com um empresário na frente de outro empresário. Um não poderia saber com quanto o outro contribuiu – nem se contribuiu. Antônio Palocci tem um grande mérito – e sobre esse mérito todos nós temos que admitir. Palocci aprende rápido. Aprendeu rápido a ser arrecadador. Alias, um excelente arrecadador. Lula ficou encantado com o pragmatismo discreto daquele prefeito. Vitorioso nas urnas, Lula deu-lhe então uma missão ainda mais difícil, a de coordenar o serpentuário que virou a equipe de transição. Palocci, jeitoso como ele só, saiu-se bem.
Acabou ministro da Fazenda com uma única credencial, naquela ocasião – virara um expert em multiplicar o patrimônio da caixinha de campanha de Lula. Nos três anos em que esteve no cargo, Palocci esmerou-se em manter uma política econômica ainda mais ortodoxa do que a de Pedro Malan. Uma de suas primeiras providências como ministro, a pedido do Santander, foi lutar para abrir o crédito consignado dos aposentados da Previdência para os bancos privados. A aliança com o Santander logo estendeu-se ao Bradesco. E do Bradesco ao Unibanco, que foi comprado pelo Itaú com providencial ajuda do consultor Palocci. Com Palocci na Fazenda, nunca antes nesse país os bancos lucraram tanto. Aquele médico sanitarista, que jamais segurou num estetoscópio, acabou se tornando o principal fiador da política econômica dos grandes bancos instalados no Brasil.
Quando Palocci caiu da Fazenda, em Março de 2006, naquela crise com o caseiro Francenildo, passou um tempinho na geladeira. Mas não muito tempo. Lula estava em baixa pelo escândalo do mensalão e tinha uma eleição presidencial pela frente. Nos bastidores, coube justamente a Palocci fazer as primeiras arrecadações junto aos banqueiros amigos, as primeiras apostas na difícil reeleição de Lula. Mais uma vez saiu-se bem. Vem daí uma imensa força e prestígio junto a Lula. Palocci é hoje o principal homem de Lula no governo Dilma, seu Rasputin, seu olheiro.
Essas histórias explicam por que Lula joga todas as cartas para manter Palocci no poder. Mas por que tantos senadores e deputados fingem que está tudo bem com Palocci? Ora, por conta dos bancos, principais financiadores das campanhas políticas. Cada um dos senadores instalados (senão todos, quase todos), da base aliada ou da oposição, recebeu a ração de campanha dos três grandes bancos privados – Bradesco, Itaú e Santander. A grande imprensa também.
Capitalistas em geral, banqueiros em especial, são pragmáticos. E quando um executivo pensa com o coração, outro assume as rédeas da razão. Os executivos do Bradesco, Itaú e Santander passaram as duas últimas semanas avisando às suas bases políticas no Congresso que não devem derrubar Antônio Palocci. Preferem que ele fique no poder. E ai de quem se rebelar. Vai morrer à míngua, sem ração financeira. Seja deputado ou senador, petista ou tucano, seja revista, jornal ou televisão, a ordem dos banqueiros é, por enquanto, é manter Palocci exatamente onde está.
Ocorre que nem mesmo os banqueiros conseguem controlar o curso dos acontecimentos em democracias representativas. Palocci, Malan, Meirelles, qualquer um, é substituível. Dentro do próprio círculo íntimo do poder já apareceu um candidato que poderia contar com a confiança dos banqueiros, o ministro das Comunicações Paulo Bernardo, tão “pragmático”, “afável”, “flexível” e “jeitoso” quanto Palocci. Bernardo conta com a simpatia da presidente Dilma e é quase tão ligado a Lula quanto Palocci. Inclusive foi um bom arrecadador oculto na última eleição.
O problema dos banqueiros, enfim, não é saber o nome do ministro-chefe. Mas o risco de Palocci ser investigado de fato pela Polícia Federal e pelo Ministério Público. Ter seu sigilo bancário e telefônico quebrado seria extremamente danoso para os negócios financeiros do país. Como a crise palocciana não esfriou, nem dá sinais de que vá esfriar, é bem provável que a qualquer momento os executivos dos grandes bancos avisem à presidente Dilma que chegou a hora de trocar os anéis. Para não perder os dedos. Façam suas apostas.

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