terça-feira, 10 de maio de 2011

Luiz Estevão e a Ferrari da corrupção
Mesmo condenado, Luiz Estevão burla a Justiça, segue prosperando – e faz até negócios com o governo
Murilo Ramos e Marcelo Rocha,
revistaepoca.globo.com
 Estevão está há 11 anos com os bens bloqueados. Mas roda com uma Ferrari de R$ 1,6 milhão, recém-comprada, em nome do filho
O empresário Luiz Estevão tem duas paixões: Ferraris e dinheiro público (não se sabe se nesta ordem). Quando está de bobeira, Luiz Estevão – condenado desde 2006 pela Justiça Federal a 31 anos de cadeia por corrupção ativa, peculato, formação de quadrilha, estelionato e uso de documento falso – deixa sua mansão em Brasília e acelera pelas ruas da capital sua Ferrari F 458, modelo 2011, um míssil vermelho com 570 cavalos de potência, que atinge 100 quilômetros por hora em 3,4 segundos e, dependendo do estado mental do condutor, pode chegar a 325 quilômetros por hora. “Esse carro passa zunindo por aqui”, diz um frentista de um posto de gasolina que fica próximo à enorme casa de Estevão. 

O novo brinquedo, comprado em março deste ano, vale R$ 1,6 milhão. Está no nome de Luiz Estevão de Oliveira, seu filho. Zunindo a bordo desse reluzente bólido, Luiz Estevão curte, às vezes ao lado da mulher, às vezes com um dos seis filhos, a dolce vita da sociedade brasiliense, desfilando alegremente pelos restaurantes da moda, pelas festas da corte. Tranquilo. Imperturbável. E cada vez mais rico.
"Tenho mais de US$ 12 bilhões de patrimônio”, diz, num tom que oscila entre a arrogância e o escárnio. Ele afirma que essa fortuna está devidamente declarada à Receita Federal. Estevão diz ser, hoje, o maior dono de terrenos na rica capital do país: “Tenho mais do que todos os demais empresários de Brasília juntos e multiplicados por três”. Estevão, aliás, não tem uma Ferrari: tem duas – a outra é mais antiga, modelo 1991. “A Ferrari, indiscutivelmente, é o melhor de todos, um ícone da indústria automobilística”, diz.
Luiz Estevão é a Ferrari da impunidade brasileira: um ícone, o melhor de todos (até onde se sabe) no quesito corruptor. Em vez de brilhar na lista da revista Forbes dos maiores bilionários do mundo, Estevão precisa contentar-se em figurar na lista dos maiores caloteiros da União. Ele deve R$ 1,1 bilhão aos cofres públicos, segundo cálculos atualizados da Advocacia-Geral da União (AGU). Não se trata de uma dívida tributária ou meramente empresarial. É dinheiro subtraído aos contribuintes brasileiros, por meio de desfalques nas obras de construção da sede do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo, nos anos 90, das quais sua empreiteira participou.
Luiz Estevão usa empresas de laranjas para continuar
alugando imóveis bloqueados pela Justiça
Ao lado do juiz Nicolau dos Santos Neto, então presidente do TRT, Estevão levou R$ 169 milhões destinados à obra. Ainda nos anos 90, uma CPI no Congresso e o Ministério Público Federal descobriram que o juiz Nicolau e Estevão dividiram o butim. Estevão era senador e, após as acusações, foi cassado em 2000. Eram tempos nos quais políticos ainda sofriam alguma punição no Congresso. Em seguida, a Polícia Federal chegou a prender Estevão, em razão de outro episódio envolvendo fraudes. Desde então, Estevão, um empresário que prosperou em Brasília negociando imóveis, carros e o que mais aparecesse pela frente, tornou-se multiprocessado. Ainda em 2000, o Tribunal de Contas da União (TCU) condenou-o a devolver o dinheiro desviado das obras do TRT. Até hoje, nenhum centavo foi pago. No mesmo ano, o MP conseguiu que a Justiça paulista bloqueasse os bens de Estevão, de modo que o Estado recebesse de volta o dinheiro desviado. Em vão.
O caso de Luiz Estevão demonstra que a Justiça brasileira não é nenhuma Ferrari. Em 2006, Estevão foi condenado criminalmente pela segunda instância da Justiça Federal. Em vez de pagar o que devia e ir para a cadeia, usou seus bons advogados – um direito seu – e recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). No fim do ano passado, uma turma do STJ finalmente corroborou a condenação. Mas Estevão recorreu novamente. Não se sabe quando mais esse recurso será julgado. Sabe-se apenas que, depois desse, pode haver outro. E mais outro, e outro...
Enquanto a Justiça embroma, Estevão, mesmo com seus bens bloqueados, prospera. Não só prospera, como prospera fazendo negócios com o governo – precisamente com os bens bloqueados. Para burlar o bloqueio e alugar a quem bem entender seus imóveis, Estevão criou uma rede de empresas em nome de laranjas. Entre os clientes que fecharam contrato de aluguel com essas empresas, constam os ministérios da Educação e da Integração Nacional, a Secretaria de Portos, a Defensoria da União e, acredite, a Polícia Federal (PF). Não é um prédio qualquer da PF. Trata-se da discreta sede do Departamento de Inteligência da PF, a unidade de elite dos federais. A empresa que firmou contrato com a PF está em nome do filho de Estevão. A família Estevão conseguiu comprar o terreno onde está a sede da PF em 2006, quando seus bens já estavam bloqueados – e ainda levantou prédios no local sem que o governo o impedisse de levar a empreitada adiante.
Desde 2004, essas empresas laranjas receberam ao menos R$ 60 milhões em contratos de aluguel com o governo. Quer dizer: em vez de devolver o que desviou dos cofres públicos, Estevão está recebendo milhões de reais do Estado. O principal laranja de Estevão para esses negócios chama-se Carlos Taffner, um lugar-tenente do empresário, que trabalha há 20 anos com ele. A AGU obteve provas de que Taffner e seus familiares estão à frente de três das empresas laranjas. Na semana passada, ÉPOCA descobriu mais uma empresa ligada a Taffner. É a Monumental Empreendimentos, registrada em nome dos filhos de Taffner. A empresa oferece imóveis da família de Luiz Estevão situados em áreas nobres da capital para aluguel. Taffner pendurou recentemente faixas gigantescas nas fachadas de alguns prédios de Brasília com a expressão “Aluga-se”, seguida do número de seu celular. Um dos edifícios fica a menos de 2 quilômetros da Esplanada dos Ministérios. A reportagem teve acesso a documentos que ligam a Monumental aos imóveis de Estevão.
A quantidade de empresas envolvidas na barafunda imobiliária é tamanha que confunde até Luiz Estevão. A AGU classifica uma dessas empresas, a Data Construções, como de “fachada, voltada para fins ilícitos”. “Não me lembro de ter relação comercial com essa empresa (a Monumental) e não cedi poderes a ela para alugar imóveis”, diz. Outras relações são mais difíceis de refutar, como os contratos firmados entre as empresas em nome de sua família. Uma delas é a LCC Construtora Limitada. Os únicos sócios são Luiz Estevão de Oliveira, o filho, e Fernanda Estevão Resende, sua filha mais velha. Essa empresa recebeu R$ 11,6 milhões do governo entre 2004 e os primeiros meses deste ano.
A sede da PF em Brasília, alugada de Estevão. Com a ajuda do senador Gim (acima, à direita), ele propôs um acordo ao ministro da AGU, Luís Adams (de barba)
No ano passado, a AGU descobriu parte do esquema envolvendo as empresas laranjas. Ato contínuo, conseguiu penhorar o dinheiro de alguns desses aluguéis. Os recursos vêm sendo depositados numa conta judicial, mas, se Estevão não for condenado definitivamente pelos desvios no TRT, o dinheiro será devolvido a ele. Mesmo com a abundância de provas levantadas pelo MP e as consequentes condenações judiciais, Estevão diz ser inocente. “Não sou devedor desse valor. Não participei da obra do TRT.”
Apesar de jurar inocência, Estevão procurou o governo na tentativa de fechar um acordo: uma espécie de “Refis da corrupção”. Ele se dispôs a pagar R$ 465 milhões, como se fosse um devedor comum, em 180 prestações. “Quero e preciso pagar essa dívida”, diz. Mas, se o empresário é inocente e não deve nada, por que pagar? Por causa das custas do processo, afirma. “Se eu continuar brigando por mais dez anos na Justiça, daqui a dez anos posso ter o êxito de provar que não sou devedor dessa dívida. Eu deixaria de ter obrigação de pagar R$ 465 milhões, mas ficaria imobilizado empresarialmente nos próximos dez anos.” Parece não fazer sentido. E não faz. O acordo não anularia suas condenações criminais. A não ser, é claro, que os ministros do STJ levem esse pagamento em consideração na hora de julgar o próximo recurso de Estevão – o que sugere que ele teme que uma condenação definitiva se avizinhe.
Tudo é esquisito nesse acordo. Para propor o “Refis da corrupção”, Estevão teve duas audiências com o advogado-geral da União, Luís Adams. Sendo o corrupto mais caçado da história da AGU, órgão que tenta há anos recuperar o dinheiro desviado do TRT, como Estevão conseguiu marcar as audiências? ÉPOCA perguntou a Estevão se ele teve ajuda de alguém para conseguir esses encontros. Estevão garantiu que não, de modo algum. Mas admitiu que encontrou na AGU, por acaso, o senador Gim Argello, do PTB de Brasília. “Quando entrei na sala, ele (Gim) estava terminando a audiência dele com o ministro”, disse. E o que diz a assessoria do senador Gim? Que Estevão pediu a ele que intermediasse a audiência com o ministro Adams. Gim confirmou que acompanhou Estevão nas duas audiências.
A AGU levou a sério a proposta de Estevão. Encaminhou a ideia ao TCU, tribunal que o condenou há 11 anos. O relator do processo no TCU, ministro Ubiratan Aguiar, vai avaliar a “conveniência” de validar ou não esse tipo de acordo. Ainda não se sabe se há chance real de o governo topar. “Quero pagar essa dívida. Se o governo tiver outra ideia, me diga”, afirma Estevão. É estranho ouvir ele afirmar que gostaria de pagar algum valor ao governo. Nem mesmo multas de trânsito ele paga. Ao sair da entrevista com a reportagem de ÉPOCA, Estevão dirigia um Mercedes preto Kompressor, carro esportivo que apresenta 26 multas, 17 delas por excesso de velocidade. O bólido, é claro, está em nome de terceiros. Na corrida maluca da corrupção brasiliense, Estevão supera até mesmo Dick Vigarista.

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