Meio ambiente e planejamento no “País do Futuro”
Por Dante José de Oliveira e Peixoto - engenheiro ambiental, mestrando em ciências da engenharia ambiental da EESC/USP e militante do PSOL
Colaborador: Márcio da Silva Queiroz, engenheiro ambiental e estudante de gestão de políticas públicas na EACH/USP
Publicado no Jornal Juntos!
Nos últimos tempos, tem se tornado corriqueiro assistir a desastres e tragédias qualificadas como ambientais. Exemplos para ilustrar isso não faltam, como o caos e as mortes ocorridos no Rio de Janeiro no início do ano e o terremoto combinado com explosões nucleares no Japão. Seria possível citar inúmeras outras inundações, tsunamis, deslizamentos e “acidentes” industriais ocorridos mundo afora, que tiveram como resultado o sofrimento humano e o aprofundamento da desigualdade.
É preciso desmistificar, entretanto, que tais eventos sejam meros acasos das intempéries ambientais. O comportamento dos fenômenos naturais não é de completo domínio de nossa sociedade, porém a ocorrência cada vez mais freqüente de eventos extremos, na ampla maioria das vezes, é camuflada por um discurso repleto de elementos técnicos e de justificativas desencontradas.
Ainda que se reconheçam suas limitações, o aparato técnico existente possibilita a compreensão de vários elementos da realidade atual, permitindo-nos também planejar. Não se trata, portanto, de refutar ou ignorar a existência de intempéries, nem mesmo negar o uso de elementos técnicos para lidar com as situações que nos deparamos. Entretanto, há que se compreender que entre números, medidas e fenômenos naturais existe uma lógica de incentivo e promoção da ocupação humana sobre o território, sendo o desenvolvimento de certas atividades priorizado em detrimento de outras.
A partir dessas prioridades, estruturam-se dispositivos legais e procedimentos técnicos que vão lidar com as diversas questões associadas ao desenvolvimento humano, sendo a abordagem destas questões diretamente relacionada com uma sequência lógica e estruturada de projetar o desencadeamento das coisas que, grosso modo, podemos chamar de planejamento. É comum ouvirmos que o planejamento no Brasil é fraco ou mesmo inexistente. Porém, mesmo em uma análise superficial, podemos perceber que essa idéia somente serve para desviar o foco da questão, afastando mais ainda a participação da sociedade na definição dos rumos do país. Um exemplo disto é o setor elétrico, onde não existe um metro de rio em território nacional em que não sejam conhecidos o exato potencial hidroelétrico, os custos e possibilidades técnicas para a produção.
Os eventos listados no início do texto carregam íntima relação com o planejamento das localidades em que ocorreram e suas prioridades, têm em comum a preponderância do fator econômico, favorecendo antes de tudo a expansão do capital, mesmo que para isso se exponha a população a riscos e intempéries ambientais, bem como a suas consequências mais drásticas. A tais eventos somam-se outros exemplos como loteamentos aprovados sem qualquer viabilidade e em completa contradição com a legislação ambiental, espaços urbanos e rurais sem infraestrutura de saneamento básico e decisões importantes (como a matriz energética nacional) tomadas de forma restrita aos altos escalões do governo.
Há várias décadas, pesquisadores, ambientalistas, movimentos sociais e cidadãos vêm insistindo que o planejamento, como forma de promover o desenvolvimento humano, não pode ter como referência única e exclusiva o Produto Interno Bruto (PIB) ou outros índices semelhantes, uma vez que o predomínio do interesse econômico tem levado ao aprofundamento da desigualdade e da degradação ambiental, podendo atingir níveis de qualidade ambiental irreversíveis e incompatíveis com a vida humana. Nesse processo de denúncia e mobilização foram conquistadas leis, programas e sistemas de gestão, nos quais as variáveis ambientais e os aspectos sociais são, ao menos teoricamente, parte do processo de planejamento.
Entretanto, não são poucos os casos que atestam a insistência dos governos em conduzir o planejamento do país desconsiderando a inserção da questão ambiental. O PAC (Plano de Aceleração do Crescimento), tido como a “menina dos olhos” do atual e dos recentes governos, alvo de elogio até da “oposição” de direita, tem resultado em várias medidas que representam verdadeiro retrocesso às conquistas do movimento social. A própria denominação do plano indica a centralidade do crescimento econômico, sendo a maioria de suas ações obras de infra-estrutura (desde o incremento no parque hidroelétrico nacional à construção de estruturas de transporte).
Dada a ausência dos aspectos ambientais na formulação do plano, as obras do PAC têm gerado inúmeros conflitos socioambientais, culminando quase sempre no uso de artifícios que atropelam e desrespeitam a legislação ambiental brasileira. Um dos maiores exemplos é a concepção da Usina Hidroelétrica de Jirau, cujo processo de licenciamento ambiental apresentou elevado grau de polêmicas e contestações da sociedade civil, promovendo importante debate sobre o futuro do país, o qual acabou sendo suprimido precocemente pela concessão da licença prévia, condicionante para o processo licitatório.
Além disso, menos de um dia após o término da licitação da usina, o consórcio vencedor anunciou o deslocamento do eixo da barragem em 8 km, mudando toda a disposição e configuração da usina e, consequentemente, seus impactos ambientais, sociais e econômicos. Ainda que economicamente a nova localização fosse mais vantajosa do que a definida na licença prévia, do ponto de vista ambiental e social a mesma sequer tinha sido avaliada no estudo de impacto, realizado para aferir a viabilidade ambiental do projeto. Infelizmente, depois de idas e vindas da questão dentro dos ministérios, a alteração do local do empreendimento foi aceita, tendo esse fato inclusive repercutido em congressos mundo afora como um dissenso completo do ponto de vista técnico[1].
Por tudo isso, não causa surpresa a explosão da revolta dos trabalhadores ocorrida no canteiro de obras. Muito menos podemos deixar de imaginar que há significativa possibilidade de se constatar grande degradação ambiental quando a obra estiver concluída, se isso chegar a ocorrer.
Outro caso recente foi o anúncio da intenção, por parte do governo, da flexibilização do licenciamento ambiental para as duplicações de rodovias, política difundida e defendida como medida para o cumprimento dos prazos do PAC[2]. Tal ação promovida inicialmente por um esforço interministerial (estranhamente também composto pelo Ministério do Meio Ambiente) visa produzir um decreto que entre outras coisas, isentaria essa categoria de obras da apresentação de Estudo de Impacto Ambiental.
Neste caso, nem mesmo a Constituição Federal escapou de ser contradita, já que afirma com todas as letras no Artigo 225, parágrafo 1°, alínea IV que é incumbência do poder público “exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade”. Uma resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) enquadra as rodovias dentre as atividades potencialmente causadoras de significativa degradação.
Não é razoável aceitar que este contra-senso se dê por acaso ou por incompetência daqueles que lidam com o planejamento em nosso país. Trata-se de uma resposta clara aos interesses que ditam os rumos da nação, fazendo com que a ampla maioria da população e suas questões mais importantes sejam sumariamente excluídas. Infelizmente, esta situação apresenta uma preocupante tendência de agravamento, com a aproximação dos megaeventos, como a Copa do Mundo e as Olimpíadas; ou seja, grandes obras de infra-estrutura com prazos extremamente apertados, podendo resultar em novos estados de exceção na legislação ambiental.
Seguindo este rumo, somente podemos esperar um aumento da vulnerabilidade do povo aos desastres, perdas irrecuperáveis de nossa biodiversidade e um futuro sem expectativas do equilíbrio ambiental necessário a qualidade de vida. É fundamental neste momento fugirmos das frases feitas, tratando questão ambiental para além de uma mera pauta. Por trás de tudo isso existem diversos elementos estratégicos para as lutas como um todo, sendo fundamental batalhar centímetro a centímetro pela inserção dos valores ambientais dentro daquilo que influenciará o que serão os próximos dias da história.
[1] Moretto et al. EIA in the planning of Brazilian hydropower plants. 30th Annual Meeting of the International Association for Impact Assessment
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