terça-feira, 7 de junho de 2011

Primavera Árabe reivindica o derrube do 3º déspota
De esquerda.net

O presidente Ali Abdullah Saleh, do Iémene, foi para a Arábia Saudita para ser tratado de ferimentos sofridos num atentado no palácio presidencial e é pouco provável que regresse. Por Patrick Cockburn, The Independent.
"O opressor foi-se embora, mas o povo fica", dizia um dos cartazes.

Foto EPA/YAHYA ARHAB
As revoltas que varrem o mundo árabe parecem ter arrancado a sua terceira vitória sobre os regimes autoritários, com o derrube do presidente Ali Abdullah Saleh, do Iémene, que estava há 33 anos no poder. Saleh foi para a Arábia Saudita no sábado para ser tratado de ferimentos sofridos numa explosão ocorrida no seu palácio presidencial, e é pouco provável que regresse.
Milhares de pessoas dançaram e cantaram e sacrificaram vacas, nas ruas da capital Sanaa, depois de se ter espalhado a notícia de que o Iémene se tinha juntado à Tunísia e ao Egipto no derrube de um líder amplamente odiado e que controlava o Estado há décadas. Manifestantes anti-Saleh exibiram cartazes dizendo: "o Iémene é melhor sem ti" e "Nome: Iémene Livre. Data de nascimento: 4 de Junho de 2011".
Mulheres vestidas de preto juntaram-se à multidão crescente de manifestantes em júbilo. Num cartaz exibido podia-se ler: "O opressor foi-se embora, mas o povo fica." Soldados participaram nas danças e cânticos e foram levantados aos ombros da multidão. O presidente Saleh, no poder desde 1978, não cedeu formalmente o poder, mas é improvável que as forças que ele comandava se mantenham unidas sem a sua presença, ou que a Arábia Saudita o deixe voltar. Informações não confirmadas davam conta de ministros e assessores a tentar embarcar, no aeroporto de Sanaa, em voos para o exterior.
Um porta-voz do partido do governo disse que Saleh estará de volta dentro "de dias", enquanto chegavam informações de que a cirurgia para lhe retirar estilhaços do peito tinha tido sucesso, mas as multidões nas ruas pareciam pouco inclinadas a acreditar. "Se Saleh voltar, estaremos preparados para recebê-lo," gritou Abdul Muein Asbahi, enquanto atirava confetti para o ar.
A sublevação no Iémene começou no dia 27 de Janeiro, inspirada pelas manifestações anti-governamentais pró-democracia na Tunísia e no Egipto, e ocupou uma praça na capital. O governo organizou contra-manifestações e a repressão ficou cada vez mais violenta. No dia 18 de Março, os franco-atiradores do governo mataram a tiro 52 manifestantes, levando à defecção de importantes oficiais do exército e de líderes tribais, que prometeram defender os manifestantes.
A Arábia Saudita e os EUA tentaram negociar uma transição suave e evitar um vazio de poder que Washington temia que pudesse ser aproveitado pela Al-Qaeda na Península Arábica (AQAP) para ampliar a sua influência. O presidente Saleh foi lesto em tornar pública a presença de membros da AQAP tentando obter ajuda financeira e armas, embora os seus opositores dissessem que ele exagerou e manipulou a ameaça fundamentalista islâmica. Saleh aceitou três vezes uma mediação dos países do Golfo árabe, apoiada pelos EUA, pela qual ele abandonaria o cargo, mas depois renegou os acordos.
A violência cresceu em Sanaa, na segunda cidade Taiz e noutras cidades iemenitas nas últimas semanas entre forças pró e anti-Saleh, ameaçando desembocar numa guerra civil. Mas, na noite passada, o presidente interino Abdel Rabbo Mansour Hadi, que assumiu depois da saída do presidente Saleh do país, aceitou um dia de trégua com o chamado grupo Ahmar, que é a parte da poderosa federação tribal Hashid. As tropas do governo devem retirar-se de Sanaa, onde os Ahmars têm a sua sede.
Pode-se evitar uma guerra civil porque, apesar de poder ocorrer um vazio de poder, o Estado foi tradicionalmente fraco no Iémene e os líderes estão acostumados a lidar com a falta da autoridade do governo. Diz-se que os 24 milhões de pessoas detêm cerca de 60 milhões de armas, o que significa que lutas de pequena escala são comuns, mas que as tréguas também são habituais.
O êxito dos protestos pró-democracia no Iémene não teria acontecido se a elite política não estivesse dividida. Até ao fim, o presidente Saleh contou com a lealdade de unidades militares comandadas por parentes próximos. Estes estão agora a negociar até que ponto terão um papel em qualquer novo regime.
A saída do presidente Saleh, que está quase com 70 anos, foi provocada por uma explosão devastadora numa mesquita da sede da Presidência, onde ele assistia às orações de sexta-feira. Informou-se que fora atingido no peito por estilhaços de madeira, mas a natureza exacta das suas feridas ainda é pouco nítida. A explosão matou 11 dos seus guarda-costas e feriu cinco importantes funcionários. O governo disse que as suas feridas eram leves, mas o facto de não ter aparecido na televisão levou a especulações de que os ferimentos eram graves. Quando ele falou, finalmente, foi pela rádio, quando afirmou, em voz débil, que os rivais tribais estavam por trás do atentado.
Primeiro disse-se que um rocket tinha atingido a mesquita, mas especula-se em Sanaa que é mais provável que uma explosão tão precisa tenha sido o resultado de uma bomba instalada por pessoas do regime.
Embora a presença do presidente Saleh no hospital de Riad decapite politicamente o regime, o seu filho Ahmed, comandante da guarda presidencial, permanece em Sanaa, tal como dois sobrinhos e dois meio-irmãos, também comandantes de unidades de elite. Eles têm força suficiente para defender-se, mas sem a presença do presidente Saleh é improvável que sejam capazes de manter o controlo do governo.
Tradução de Luis Leiria para o Esquerda.net
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