quarta-feira, 23 de março de 2011

Bolsa Família: “Em si, limitado”
De Brasil de Fato:
Socióloga elogia incremento no programa, mas aponta contradições
Eduardo Sales de Lima
O programa Bolsa Família obteve o maior reajuste desde 2004. Mas, para o seu incremento, carrega consigo duas contradições. De acordo com a socióloga Eliane Graça, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), o Bolsa Família, como o único programa de transferência de renda do Brasil, apresenta ainda um orçamento irrisório. “O programa gasta cerca 0,7% do orçamento total. É muito pouco para as 50 milhões de pessoas abrangidas por ele”, critica. A outra contradição, segundo ela, é que, mesmo sendo um importante programa social, o Bolsa Família se limita a um concepção “rentista”.
Apesar do montante acrescentado, o orçamento de programa social está sob a “gestão do aperto” no governo Dilma. Dos R$ 2,1 bilhões de aumento nos gastos previstos para o ano, R$ 340 milhões atingiram programas do próprio Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), como combate ao trabalho infantil, combate à exploração sexual, ressocialização e inserção no mercado de trabalho.
Por seu lado, a ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello, anunciou que o reajuste do benefício concedido pelo Programa Bolsa Família não vai comprometer o financiamento de outros programas sociais.
A socióloga Eliane Graça observa que o remanejamento de recursos do já limitado orçamento do programa exprime a diferença de tratamento do governo federal quando se envolve políticas sociais. Ela cita dois exemplos. Lembra que o recente ajuste da taxa Selic (chegando a 11,75% ao ano) tem efeito maior sobre as despesas do governo que o incremento do Bolsa Família; e aponta que “bilhões de crédito” de bancos estatais são concedidos a grandes latifundiários, sem que sejam pressionados a pagar os montantes de suas dívidas a bancos federais.
Economicista
Com o ajuste de 19,4%, os novos valores repassados pelo programa vão variar de um mínimo de R$ 32,00 a R$ 242,00, de acordo com número e idade dos dependentes (a faixa anterior era de R$ 22,00 a R$ 200,00). “É ótimo que atualize, porque, apesar de as quantias serem muito baixas, individualmente, faz uma diferença enorme. E para os municípios pequenos, dinamiza a economia local”, defende.
Todavia, Eliane Graça salienta que existe um problema de origem na concepção do governo “de que se tira da miséria e da pobreza as pessoas somente por meio da renda”. “O problema da pobreza é muito maior que a falta de renda. O programa precisa ser expandido, porque há muita gente necessitada que não está sendo atingida pelo programa, mas, em si, ele é limitado. Há pesquisas qualitativas em relação ao Bolsa Família, e as pessoas querem ter acesso aos serviços públicos, como educação e saúde, e ter emprego; claro, não somente bolsa”, explica a socióloga.
Graça se diz preocupada com um possível estabelecimento de novos critérios para a obtenção de benefícios do programa. Segundo ela, a presidenta Dilma Rousseff teria requisitado estudos ao Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) com a finalidade de classificar a pobreza dentro de parâmetros economicistas. “Essa é a questão de fundo do problema do Bolsa Família”, destaca.
Dentro de sua crítica à visão economista do programa, Graça chama atenção para fatos novos que surgiram como consequência do implemento da renda dos mais pobres. A saber, as famílias com crianças e adolescentes de até 15 anos receberão mais 45,5% de benefício específico. Pois bem, para ela,
isso é um “excelente critério”. “O perigo é não transformar essas pessoas em cidadãos, e sim em consumidores”, elucida. Isso porque, de acordo com Graça,
a pobreza hoje não é mais o sinônimo de “meninos esquálidos, barrigudos com a costela aparente”. “Existem crianças pobres que são obesas. Essa é mais uma das razões de que o problema é muito mais complexo que só transferência de renda”, destaca.

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