Primeira Conferência da Frente Nacional de Resistência Popular em Honduras: um grande avanço político e organizativo.
Pedro Fuentes
Honduras é o país que vive a situação mais rica da luta de classes do continente latino-americano. A Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP) é um grande movimento social, que agora está dando um salto para ser uma organização política. Recapitulando, em junho de 2009, um golpe militar derrubou o presidente eleito Manuel Zelaya, cuja intenção era realizar uma assembléia constituinte no país e integrá-lo à Alternativa Bolivariana para as Américas (ALBA) e os setores mais progressistas do continente. A FNRP surgiu da resistência ao golpe militar, brotou do interesse imediato do povo e lutou meses a fio nas ruas para restaurar o processo de aprofundamento democrático interrompido forças reacionárias da burguesia hondurenha.
Este informe sobre a 1a Conferência da FNRP tem a intenção de caracterizar com mais precisão a situação daquele país no contexto continental e mundial e explicar nossas opiniões sobre algumas polêmicas que se instalaram e que são absolutamente estratégicas para o desenvolvimento da luta anti-imperialista latino-americana. Sendo opiniões "de fora" do processo hondurenho, devem ser lidas como uma modesta contribuição ao debate aberto por lá, cuja necessidade é estratégica a todos os lutadores internacionalistas.
A FNRP é uma conquista das massas hondurenhas
A FNRP é uma organização com peso político e social de massas. Isso é um fato palpável. "Resistência" é uma palavra com a qual se identificam amplos setores da sociedade. Por exemplo, os taxistas, que são um termômetro importante da situação, me disseram que 80% deles estão com a resistência. A Frente agrupa setores já organizados, camponeses e trabalhadores, e também conta com a simpatia das massas antes desorganizadas. Na Conferência estiveram presentes delegados de todos os 18 departamentos do país, demonstrando contundente representatividade. A 1a Conferência Nacional da FNRP contou também com um "19o departamento" formado por imigrantes hondurenhos que vivem nos EUA e no Canadá. Além deles, delegados internacionais do PSOL, do MST e do PC do B. A construção e organização da resistência foi um processo riquíssimo e único na história recente do continente.
O golpe militar em Honduras não deu origem a uma ditadura como de Videla na Argentina ou Pinochet no Chile. Tampouco a um regime contra-revolucionário que vencesse o movimento de massas, como Fujimori no Peru. Micheletti tentou levar adiante um golpe implacável através do "estado de sítio" imposto depois que a resistência se mostrou gigantesca em seus protestos de rua. Mas rapidamente teve que recuar, por conta da conjuntura internacional e interna de amplo rechaço ao golpe. Então, o setor golpista de Micheletti mudou de linha para a criação de um processo eleitoral manipulado, claramente fraudulento, com Zelaya impedido de concorrer ao pleito. A situação mundial da luta de classes está aberta a conquistas de liberdades democráticas, e está fechando as portas para alternativas abertamente truculentas da burguesia internacional. O golpe de estado em Honduras não pode desalojar as ruas como cenário da luta social democrática. Apesar de intensas operações militares, repressão e assassinato de mais de 200 ativistas, a resistência não abandonou as ruas. A sua luta não restituiu Zelaya ao poder nem impediu as eleições fraudulentas dos golpistas, que deram origem ao governo Lobo... Porém, um gigantesco movimento social avançou qualitativamente e deu origem à FNRP como organização política.
É já muito mais que uma frente única de luta contra o regime: é um organismo político vivo composto por massas trabalhadoras e pelo povo. E a 1a Conferência o demonstrou.
Na frente participam importantes organizações camponesas, povos indígenas da COPIN (Coordenação dos povos indígenas), e as mais importantes organizações sindicais do país. Entre eles o Estybis (sindicato de bebidas e alimentos dirigido por Carlos Reyes), o sindicato dos professores, que cumpriu um papel decisivo na resistência, grêmio de trabalhadores da saúde; e outros. Além destas, as organizações da juventude, de mulheres, de artistas, e o conjunto das forças de esquerda.
Junto às organizações sociais militantes, o que dá um peso de massas à FNRP é a presença de boa parte da base do Partido Liberal de Zelaya. Alguns setores liberais romperam com a FNRP, desnudando que suas intenções eram puramente eleitoreiras, mas a maioria da base liberal seguiu com conseqüência a figura de Zelaya e abraçou a FNRP. Zelaya fez possível esse passo quando declarou categoricamente que sem abandonar sua trajetória, ele pertencia a FRNP e não ao Partido Liberal. A figura de Zelaya também explica a representatividade de caráter nacional.
A FNRP é parte da superestrutura do país. É notícia todos os dias na imprensa hondurenha e conta com importantes meios de comunicação de massa a seu favor. Surpreendentemente, quando se chega em Honduras não existe somente a imprensa oficial golpista, mas também a radio Globo e o Canal TV 36, abertamente alinhados com a FNRP. Eles transmitiram a maior parte das deliberações da 1a Conferência. E o mais assombroso é a existência do jornal "El Libertador", que faz uma denúncia diária contundente do regime e da burguesia hondurenha no poder.
Esses veículos de comunicação da FNRP são tão importantes que pediram para participar da 1a Conferência Nacional com 3 delegados.
A 1a Conferência foi um passo na institucionalização da FNRP
A 1a Conferência foi um triunfo importante tanto pela quantidade delegações presentes quanto porque gerou um avanço na construção e consolidação da direção política e das instâncias organizativas da FNRP. Ao eleger por unanimidade a Manuel Zelaya e Juan Barahona como coordenador e subcoordenador, além de uma Direção Nacional representativa de todos os departamentos do país e setores sociais organizados, se deu um passo importante na institucionalização da FNRP. Não foi por causalidade que um jornalista pró-regime disse na televisão que a conferência significava uma quebra do velho bipartidarismo, já que nenhum dos partidos, nem Liberal, nem Nacional, podiam juntar a representação da FNRP e realizar umas Assembléia ampla como aquela.
Os novos desafios: as vias para lutar por poder político
Apesar de constituir um grande avanço, o evento também atravessou debates complexos e confusos. A questão da tomada do poder esteve na ordem do dia, já que a situação da luta de classes é extremamente tensa e madura. O peso social e político que a FNRP adquiriu a postula como alternativa real de poder no presente. A FNRP como organismo superou o momento de somente "unidade de ação para derrubar o governo". Os primeiros passos foram dados, mas não foram concluídos para criar uma verdadeira estratégia de poder.
Isso tem um motivo. A realidade política de Honduras não está suficientemente clara e se apresenta cheia de contradições para a FNRP. Ou seja, de fato a FNRP se postula como alternativa real de poder, mas o avanço do debate estratégico se dá num momento desfavorável da conjuntura para as massas populares. O governo Lobo, apoiado no imperialismo e nas 8 famílias que controlam a economia hondurenha, conseguiu avançar em planos neoliberais privatistas. Por isso, ainda que a FNRP seja uma alternativa real de poder, não está posto que a luta via ação direta e insurrecional é suficiente e viável. Zelaya voltou ao país acolhido amplamente pelas massas: os setores pobres e de trabalhadores estão com FNRP não somente porque lutaram contra o golpe, mas também pela comparação direta entre os governos Lobo e Zelaya. Há uma diferença explícita no nível de vida das massas, que retrocederam em suas conquistas. E uma coisa é ter simpatia das massas, e outra coisa é ter capacidade de mobilizá-las na luta pelo poder.
De modo que essa é uma discussão nova para os numerosos membros da FNRP. Há setores maximalistas que não permitem avançar na estratégia concreta. Há setores da Frente que dissolvem a análise concreta da situação concreta em verdades genéricas sobre a tomada do poder mediante a revolução socialista. Lênin, no livro "Esquerdismo, a doença infantil do comunismo", disse que "a história em geral e em particular é sempre mais rica de conteúdo, mais variada de formas e aspectos, mais astuta do que imaginam os partidos e as vanguardas mais conscientes". Desse pressuposto que Lênin derivava suas conclusões práticas. A primeira delas foi que "a classe revolucionária para realizar sua missão deve utilizar todas as formas e aspectos da atividade social sem a mais mínima exceção". A segunda delas foi que "a classe revolucionária deve estar disposta e substituir de um modo rápido e inesperado uma forma de luta por outra".
Ao debater a luta pelo poder político em Honduras, se entrelaçam 3 questões estratégicas. Primeiro, a Assembléia Constituinte, que é uma consigna desde o governo Zelaya a favor da qual a FNRP coletou 1,4 milhão assinaturas. Segundo, a questão da participação nas eleições. Terceiro, se a Frente deve dar origem a uma "frente ampla política".
A Assembléia Constituinte
Esta é sem dúvida uma bandeira fundamental do momento, que aponta para a mudança do regime político e reorganização do poder sobr4e novas bases. Zelaya se comprometeu diretamente a levá-la adiante. A questão é: como conquistá-la agora? Um setor da 1a Conferência apontou essa tarefa como a principal, que deve gerar ação imediata por meio de uma auto-convocação das massas. Discursos que defenderam esta posição se apoiaram em 2 fatos: primeiro, a auto-convocação da COPIN (coordenação dos povos indígenas) que já juntou 2 mil membros para produzir a Assembléia Constituinte; segundo o peso político das 1,4 milhão de assinaturas pró Assembléia Constituinte. As perguntas que nos fazemos são:
1. Há condições objetivas para essa auto-convocação?
2. É possível fazê-la sem derrotar previamente o atual governo e conquistar um novo poder?
Não nos parece que o atual momento permita desafiar o poder da burguesia por meio de uma auto-convocação. Uma coisa são 1,4 milhão de assinaturas pela Constituinte, outra coisa é que estas 1,4 milhão de pessoas saiam as ruas para levá-la adiante objetivamente. Além disso, pensamos que não há possibilidade de convocar uma Constituinte desvinculada da luta pela derrubada do governo e tomada do poder do Estado. O exemplo mais atual são as revoluções árabes! Graças a capacidade popular de derrubar os governos autocráticos a tarefa da Constituinte se colocou na ordem do dia. A Tunísia acabou de conquistar a convocatória para as eleições e esta é um passo ainda por conquistar no Egito, depois do derrocamento de Mubarak. É um exemplo ilustrativo da combinação entre Assembléia Constituinte e derrubada do poder.
No caso de Honduras, a FNRP não tem condições de convocar uma Assembléia Constituinte em que participe a maioria da população sem que as massas derrubem o governo Lobo. Se pudesse fazê-lo, significaria que há uma situação revolucionária em curso, e que a tomada do poder é a tarefa principal (para então convocar a Constituinte).
Se trata de uma discussão histórica entre os setores que pensam que é possível "mudar o mundo sem tomar o poder" construindo esse poder desde baixo, e os setores como nós que pensamos que não se pode superar verdadeiramente o Estado burguês senão por meio da tomada do poder político.
As eleições
Outra discussão central foi se a FNRP tem que adotar uma política eleitoral e participar do pleito nacional. Há um consenso de que não estão dadas as condições de que a FNRP deve participar. Influiu para essa caracterização ainda aberta a carta enviada por Zelaya, na qual afirma não haver ainda condições de participação no pleito de 2013 e, ao mesmo tempo, que a FNRP deve estar preparada para mudar de tática nos próximos meses.
Na nossa opinião, seguindo o raciocínio de Zelaya, a Frente tem que lutar para criar as condições de participação nas eleições de 2013. Na Conferência houve setores que se agarraram mais à primeira parte da carta de Zelaya, e negavam toda possibilidade de disputar as eleições para abalar o poder constituído. Contrapunham a via eleitoral via insurrecional, e esta não é uma contraposição correta.
É sempre bom lembrar da tática dinâmica de Lênin, que participou das eleições da Duma (parlamento russo) na época do governo Czarista. Lênin defendeu a participação nas eleições – apesar de estarem longe de ser livres e democráticas – no momento em que não houvesse condições objetivas para a luta direta pelo poder político. Em Honduras, é esta a situação: não há condições para a luta insurrecional tomar o poder político e, portanto, a FNRP, se quer manter-se como organismo com peso de massas tem que participar das eleições ou sim ou sim. Não participar significaria renunciar a disputa do poder político na forma em que está colocado para as massas no atual momento. Se não participa das eleições, a FNRP vai se isolar das massas que vão votar, e não vão criar outro partido.
É preciso disputar as massas me todos os terrenos, e quando há eleições é o terreno eleitoral. O abstencionismo quando se eleva à tática permanente nada mais faz que jogar o jogo do regime. Por isso a FNRP tem que criar as condições de participar das eleições. A consigna fundamental até 2013 é a "volta de Zelaya". Ou seja, a condição de que Zelaya possa voltar legalmente colocando o governo contra a parede.
Nos parece que esta primeira e mais importante tarefa que tem a FNRP no próximo período e a mais revolucionária, a que mais castiga o regime, e a mais sensível ao povo que segue a Frente. Renunciar às eleições livres como consigna seria renunciar à volta de Zelaya e fazer o jogo dos partidos do regime, os liberais adaptados e os conservadores, para que eles repartam novamente o poder entre eles, e com a legitimidade do pleito.
A FNRP tem que contar com um braço político
A Conferência debateu a necessidade de criação de um organismo de frente ampla político. Óbvio que essa tarefa está ligada à necessidade de disputa eleitoral, mas infelizmente a discussão não foi bem apresentada. A grande maioria dos militantes da Frente rechaça os velhos partidos políticos e vem da experiência com o liberalismo e não estão na Frente para criar mais um partido. Muitos outros viram na Frente a possibilidade de criação de um partido novo. Uma vez mais os maximalistas polarizaram a discussão e não permitiram a exposição clara do significado de uma frente ampla política. Na nossa opinião, não ficou claro na proposta que o que se estava propondo não era a dissolução ou substituição da FRNP por outra ferramenta no terreno político, e sim a criação de um braço político da mesma FNRP e portanto a ela subordinado. Ou seja, que a FNRP siga existindo como movimento social e político e não diluir-se ou converter-se. A criação de um aparato eleitoral próprio e subordinado à FNRP é plenamente possível, e necessário para participar das eleições como uma "colateral" da Frente.
Foi um primeiro passo. E mesmo que o debate tenha se exasperado em alguns momentos, o entusiasmo geral com a FNRP entre os 1.500 delegados não diminuiu. Todos os setores autenticamente representativos da base opinaram que havia sido só uma primeira discussão, e que para além das contradições, a Frente estava fortalecida. É que a combatividade, a militância e a valentia para enfrentar o golpismo consolidaram em Honduras uma vanguarda valiosa e a organização ainda mais valiosa e mais rica de todo continente. Essa valentia e força militante ficou palpável na Conferência. Muitos delegados sofreram ameaças caso fossem à reunião e outros foram detidos na viagem. Mas isso não afeta a bravura desta organização.
A FNRP teve mais de 200 ativistas assassinados sob o golpe e sob o governo Lobo. A Conferência fez uma homenagem emocionante a eles e a eles que dedicam o debate estratégico de transformação do país.
Os partidos políticos e o povo
Os partidos políticos enfrentam um momento imprevisível: a sua substituição no imaginário coletivo hondurenho. O povo hondurenho não luta contra o golpe para regressar ao bipartidarismo, e sim para recuperar a democracia dentro de um referencial político próprio.
A FNRP é apenas o começo de um organismo que deve converter-se em um ente com vida própria, identidade clara de seus membros numa luta sustentada ideologicamente. Se produziram várias críticas aos partidos políticos por algumas tendências, movidas mais pela conjuntura imediata do que pela análise dialética séria. Se consideramos a luta de classes, encontramos provas claras de que os partidos são instituições de classe, que as massas populares não contam com este tipo de organização hoje, e que a FNRP é o destinatário natural deste papel. O bipartidarismo, clássico em algum momento da história de todos os países latino-americanos, não surge do nada! É parte da superestrutura burguesa, que nós pretendemos transformar.
O caráter de classe dos partidos é o que define sua posição frente a realidade, e em conseqüência, o povo, em seu processo de emancipação, deve organizar-se em um partido próprio. A idéia de formação de um partido de maneira formal criaria muitíssimos problemas. E atentaria contra a estabilidade do que se conquistou até agora enquanto ferramenta. Sem embargo, seguimos sem responder as perguntas que precisam de respostas contundentes dos dirigentes.
Quando organizamos núcleos de direções locais em todos país?
Dar um nome mais específico à Frente?
Como explicamos que a FNRP tem posições inexplicáveis aos questionamentos que fazemos?
Quando se faz a pergunta a um membro da Frente: "Qual é sua filiação política?", o que este responde? A essa pergunta não pode responder: sou trabalhador, sou professor, sou mulher, sou indígena, etc. Mas sim pode dizer: sou Liberal ou sou Unificación Democrática, sem que nenhum dos dois represente sua condição de classe.
Depois chega o problema essencial sobre a natureza da nossa luta. Tomemos o caso dos companheiros indígenas e negros e a visão eurocentrista da revolução. A emancipação dos povos originários é um processo dialético engendrado pela conquista e seu processo de acumulação primitiva. Contudo, isto não emancipa as outras organizações. Devemos portanto presumir que a luta setorial é uma necessidade histórica em todas as sociedades – e que a emancipação geral é um processo eminentemente político e de classe.
O poder popular realizado no período intenso da resistência fez nascer da prática de luta a necessidade de um partido político popular para dar conta das tarefas defendidas pelo movimento social, e sua ausência pode produzir enormes fraquezas na luta de cada indivíduo dentro da FNRP.
Por agora, a classe dominante sabe que existe uma verdadeira oposição, já reconhecida pelas massas que antes consumiam o antigo show político. Por isso vai intensificar sua agressividade. Ante isso, o nosso caminho é evidente: fortalecer um referencial político que já é parte cotidiana da luta do povo. A FNRP é a única possibilidade para cumprir esse papel.
Pedro Fuentes é secretário de relações internacionais do PSol
quarta-feira, 23 de março de 2011
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado pelo comentário.