terça-feira, 22 de março de 2011

A que veio Obama?

Por Joana Salém Vasconcelos, colaboradora da Secretaria de Relações Internacionais do PSOL



Por ironia do destino, Barack Obama é um dos presidentes menos poderosos da história dos Estados Unidos. Desde o início de seu governo em 2009, mostrou fortes dificuldades de cumprir suas promessas mais progressivas de campanha. Apesar de ser do tradicional partido Democrata (que esse ano completa 175 anos), o sucesso eleitoral de Obama representou um movimento relativo de ampliação da consciência política dos cidadãos em defesa de um projeto mais humanitário de nação. Integraram-se na sua campanha os imigrantes exigindo reconhecimento e respeito, as classes trabalhadoras ambicionando melhores condições de vida e movimentos anti-racistas empolgados com a eleição de um negro no país que criou a Ku Klux Klan. Essas promessas não cumpridas estavam ligadas aos direitos humanos (dar fim às guerras no Oriente Médio, punir a tortura sistemática praticada pelo exército estadunidense, fechar Guantánamo), relacionadas aos direitos sociais básicos (reforma na saúde, fim da isenção de impostos aos ricos) e ao mercado financeiro excessivamente desregulado (reforma no sistema financeiro). Os movimentos de realização destas promessas feitos pelo governo Obama foram tão tímidos quanto espalhafatosos. Sobretudo pela conjuntura de crise econômica que reduziu a margem de manobra do governo, e pela disseminação de um novo conservadorismo sem precedentes entre o povo americano.Crise econômica: o medo de Obama venceu a esperança popular

A esperança generalizada que surgiu por uma espécie de “efeito Obama” em 2008 foi tão ilusória quanto o subprime: uma bolha que estourou. As injeções de dólares no mercado financeiro para salvar os bancos, seguradoras e outras grandes corporações falidas (Lehman Brothers, AIG, Citigroup, etc) sem a necessidade de nenhuma contrapartida por parte das beneficiarias foi suficiente para caracterizar o governo como mais um fantoche do mercado financeiro. Mesmo que faça pronunciamentos diferenciados, em apoio “à vontade do povo tal ou qual”, em defesa dos “direitos democráticos”, quem se engana? Os US$ 3 trilhões dos cofres públicos escorreram às enxurradas para acobertar déficits incalculáveis frutos da farra especuladora. Os mentores da crise, entre eles Henry Paulson (ex-chefe do Goldman Sachs e Secretário do Tesouro de Bush de 2006 a 2008) e Alan Greenspan (presidente da Reserva Federal dos EUA de 1987 a 2006), além dos sócios das grandes corporações envolvidas no jogo predatório das finanças, não pagaram o preço da crise. Agrava-se o fato pois a receita norte-americana é arrecadada por um sistema tributário (pasmem) mais regressivo que o brasileiro… Em 2010, o Congresso Nacional aprovou a continuidade da lei de Bush que prevê isenção fiscal a todos os cidadãos com renda anual acima de US$ 250 mil por ano! Com isso, o governo se dispôs a desembolsar US$ 700 bilhões para substituir o dinheiro dos ricos nos cofres públicos. E o governo resolveu desembolsar… do bolso do povo! Obama recuou até diante deste tipo explícito de assalto praticado pelos parlamentares, que nos faz sentir ainda na era Bush. E foi além: operou a manobra convencional dos governos capitalistas mais tacanhos em contexto de crise e passou toda conta para as classes trabalhadoras.


Derrota fulminante nas eleições de 2010: a era Bush não acabou.

Num piscar de olhos, a farsa virou tragédia. No dia 2 de novembro do ano passado, o destino de Obama foi selado pelas eleições parciais. Apesar de ter sido bom aluno dos financistas, Obama sofreu com o ódio racista das forças mais truculentas do país. O Tea Party é a caricatura da guinada conservadora da sociedade americana. Das 435 cadeiras do Congresso, os republicanos conquistaram 239 e os democratas 188. Das 37 cadeiras do Senado, os republicanos garantiram 24 e Obama somente 13. Objetivamente, Obama perdeu 68 cadeiras no Congresso, das quais 60 foi para Republicanos, e perdeu 6 cadeiras no Senado, das quais todas foram para Republicanos. Com isso, perdeu a maioria no Congresso e no Senado.

Assim sendo, Obama hoje governa a maior potência econômica e militar mundial (ainda que em fase de decadência), porém não governa nada. Obama é a rainha da Inglaterra… Depende de aprovações do legislativo para qualquer política substantiva, está divorciado de sua base eleitoral, e refém dos interesses do mercado financeiro que se comporta como um monstro especulador insaciável. Sem falar nos levantes no Oriente Médio que estão derrubando um a um os pilares dos EUA para captação e exploração do petróleo.


O cheiro do petróleo: transferência de riqueza nacional a vista!

A melhor explicação para a visita de Obama ao Brasil é o pré sal. Os levantes árabes estão amedrontando os EUA, e esfacelando sua capacidade de controle da região, responsável por 36% do petróleo do planeta em 2009 (29 milhões de barris por dia). Ben Ali, Mubarack e outros ditadores da região foram responsáveis por acentuar a exploração do povo palestino, realizar gigantescas concessões econômicas às corporações petroleiras dos EUA e Europa, e “estabilizar os conflitos da região” como afirma a imprensa burguesa no Brasil.

Porém, esses “agentes estabilizadores” estão fora do tabuleiro. E os EUA devem imediatamente buscar fontes alternativas de petróleo, já que nem se pode garantir o futuro político-ideológico dos novos governos árabes, e nem se pode depender do petróleo do comandante Chávez. O cientista político da PUC Reginaldo Nasser afirmou que “em documentos revelados pelo WikiLeaks tomamos conhecimento de ações do governo norte-americano e seus lobbies para combater a lei do pré-sal e que a Casa Branca pressionou autoridades ucranianas para obstaculizar o desenvolvimento do projeto conjunto Brasil-Ucrânia de implantação da plataforma de lançamento dos foguetes”, e completa “portanto, já é hora pararmos com essa ladainha de visita simbólica ou de início de uma nova parceria estratégica”.

Afinal, o Brasil realmente negocia “de igual pra igual”, ou novamente entrará no jogo das trocas como sócio menor, que entrega seus recursos a preço de banana? O governo Dilma já deixou claro, neste início de mandato, ao menos 2 estratégias: primeiro, haverá política de ajuste fiscal tipicamente neoliberal quando isso for necessário (haja visto o corte de US$ 50 bilhões do orçamento de 2011); e segundo, as obras de infra estrutura do PAC tem uma função especificamente voltada para as grandes empresas (brasileiras ou não) e portanto para os grandes empresários. O povo que paga, não recebe. O público e o privado no Brasil sempre foram perversamente misturados: a retórica do governo Dilma é que agora público e privado estão em harmonia, em relação de incentivo mútuo. O governo incentiva os empresários, os empresários ajudam o governo, e o Brasil chega ao futuro.  

Porém, é evidente que a transferência de recursos públicos aos cofres privados estrangeiros permanece ocorrendo como fator dominante do subdesenvolvimento do país. De acordo com artigo “Gasto público, Lucro privado” publicado na Carta Capital 634, o BNDES financiou 8,7 bilhões de dólares para indústria automotiva no período 2008-2010, e no mesmo período, o setor automotivo repassou remessas de lucros de 12,4 bilhões de dólares para suas matrizes fora do país. “Isso significa”, afirma o artigo, “que quase a totalidade dos recursos necessários para financiar seus investimentos saiu dos cofres públicos, enquanto expressiva parcela dos lucros foi transferida para as matrizes”. Além disso, a redução do IPI diminuiu a arrecadação pública com a compra de automóveis em 66%, mais uma forma de repassar dinheiro público para o setor privado.         

Será mesmo, Obama, que o futuro chegou ao Brasil? Dado este exemplo, é evidente que o mecanismo de transferência de recursos daqui pra fora está a todo vapor. Talvez isso explique também a “nova estratégia” dos EUA com o Brasil.

Além disso, a Copa do Mundo e as Olimpíadas representam enormes investimentos em infra-estrutura esportiva que não servem para uso da população depois. Sem falar dos desvios de recursos e da exploração do trabalho, usuais nesse tipo de empreendimento. Basta lembrar do Panamericano em 2007, ou da cratera da linha amarela do metrô de São Paulo.            

Depois do Wikileaks, a desconfiança geral nas diplomacias virou uma atitude mais que justificada. A quantidade de informações confidenciais nesse tipo de visita, só amplia as possibilidades de crítica deste encontro.
Os 10 acordos comerciais públicos feitos no sábado (19/3) são:

1. Acordo de comércio e cooperação econômica.

2. Acordo sobre transportes aéreos.

3. Acordo sobre cooperação nos usos pacíficos do espaço exterior.

4. Memorando de entendimento sobre cooperação para apoiar a organização de grandes eventos esportivos mundiais.

5. Memorando de entendimento para a implementação de atividades de cooperação técnica em terceiros países no âmbito do trabalho decente.

6. Memorando de entendimento para o estabelecimento do Programa Diálogos Estratégicos Brasil- EUA, assinado entre a Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e a Comissão Para o Intercâmbio Educacional entre os Estados Unidos e Brasil (Comissão Fulbright).

7. Memorando de entendimento sobre as dimensões da biodiversidade.

8. Parceria para o desenvolvimento de biocombustíveis para aviões.

9. Protocolo de intenções sobre a ampliação de cooperação técnica em terceiros países.

10.Acordo relativo ao exercício de atividades remuneradas por dependentes do pessoal diplomático e consular.


O primeiro Acordo prevê a criação da Comissão Brasil-Estados Unidos para Relações Econômicas e Comerciais, que vai decidir a respeito de questões comerciais bilaterais. Segundo dois itens do acordo, a comissão “identificará oportunidades para expandir o comércio bilateral e os fluxos de investimento” e “promoverá a remoção de obstáculos desnecessários ao comércio bilateral e ao investimento, particularmente no campo regulamentar”.

Algo me diz que estes “obstáculos desnecessários” que serão “removidos” têm algo a ver com o controle social público dos recursos naturais nacionais. Mera hipótese.

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