Chávez, o câncer e o futuro da Venezuela
Por Breno Mendes*
Neste sábado, 23 de julho, o presidente venezuelano Hugo Chávez voltou à Caracas, após concluir a primeira fase de quimioterapia realizada em Havana, Cuba. Ao chegar ao Aeroporto Internacional Simón Bolívar, o líder disse em transmissão ao vivo por rede nacional de televisão, que havia ¨voltado melhor do que tinha ido e que os exames aos quais foi submetido não detectaram nenhuma célula cancerígena em seu organismo¨.
Chávez sofre de um câncer diagnosticado na capital cubana, quando o presidente concluía uma série de visitas diplomáticas realizadas em diversos países da América Latina, entre eles o Brasil. No dia 11 de junho passou pela primeira operação. 9 dias depois, em uma cirurgia de seis horas, o governante retirou um tumor que, segundo suas próprias palavras, chegava a medir o tamanho de uma bola de beisebol. Nesse período não havia muitas informações oficiais sobre o assunto. Enquanto um clima de dúvidas e incertezas prejudicava em parte o funcionamento de algumas instituições públicas e gerava preocupações na população, o governo tratava de abafar as diversas especulações surgidas e divulgadas pela mídia nacional e internacional.
A polêmica se encerrou no dia 30 de junho. Através da televisão estatal de Cuba, o presidente venezuelano assumiu ao mundo a doença. Essa situação gerou um grande debate na Venezuela. O presidente é a principal figura política do país dos últimos anos. Eleito pela primeira vez em 1998, se tornou presidente em 1999 e desde então mudou a conjuntura política do continente para sempre, capitalizando toda a disposição popular surgida no ¨Caracazo¨. O movimento político liderado por Chávez participou de 9 eleições, perdeu somente uma, a da reforma constitucional em 2006, por uma pequena quantidade de votos. Após 12 anos de avanços e desgaste político, pela primeira vez se pensou seriamente na Venezuela sem Hugo Chávez.
Antes da doença: Política de conciliação.
No dia 26 de setembro de 2010, aconteceram as eleições para deputados nacionais da Venezuela. Nesse período, aumentou um certo desgaste do governo junto a população, por não conseguir responder a problemas objetivos, entre eles a crise no setor elétrico, na saúde e a instabilidade econômica, que apresenta desde 2003 uma inflação que varia ao ano de 23 a 25 %. É importante destacar também que desde 2005, quando começou o mandato legislativo anterior da Assembleia Nacional, a maioria dos deputados eram aliados do governo, graças a decisão dos setores de direita que se retiraram do processo eleitoral. O PSUV estava no executivo nacional, na maioria dos governos e prefeituras do pais e tinha mais de 2/3 do poder legislativo, ou seja, uma condição para governar, no mínimo, extremamente favorável. Soma-se a isso o apoio recebido dentro do movimento de massas.
No entanto, o processo de burocratização, coptação de movimentos, centralização das tomadas de decisões e todos os obstáculos econômicos e políticos gerados pela burguesia nacional e internacional deram ao chavismo uma vitória eleitoral com gosto de derrota. A oposição não só voltou ao parlamento, como voltou com uma boa votação, graças aos erros da política implementada pelo governo.
A maioria simples na Assembleia, a favor do governo bolivariano, o conduz a assumir acordos com a direita, formada em grande parte pelos líderes golpistas de 2003. Questões como a escolha de membros da magistratura e mudanças constitucionais somente podem ser aprovadas com maioria qualificada. O cenário político se complicou um pouco. O parlamento passou a ser o palco preferencial dos debates na Venezuela, com pouca participação do povo organizado. Recentemente, o controlador geral da república Clodosbaldo Russián faleceu e seu substituto deverá ser escolhido através de um acordo com um setor da direita que garanta a maioria qualificada. A outra opção seria convocar um plebiscito para que o povo tome a decisão, algo pouco provável de acontecer.
Além dos problemas nacionais, o processo bolivariano, que representou, e ainda representa as esperanças de diversos lutadores sociais da América Latina e do mundo, passa também por um desgaste internacional. Tudo indica que a vitória do ex-militar e nacionalista Ollanta Humala no Peru tem relação com o peso político do lulismo no continente. Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, apesar das diferenças, demonstram apostar na frente política com setores tradicionais da direita neoliberal. Seus governos não costumam fazer grandes enfrentamentos com o capitalismo. É a máxima, adotada por Humala, do desenvolvimento econômico (neoliberal) com ¨inclusão social¨. Não à toa, no dia 22 de julho, o presidente eleito do Peru anunciou a indicação de 8 ministros que farão parte do seu gabinete. Entre eles Luis Miguel Castillas, ex-ministro da Fazenda do governo Alan García, que vai liderar a política econômica. Segundo as novas autoridades peruanas, o objetivo é ¨tranquilizar¨ os mercados¨.
É um fato que os povos mudaram o mapa político da América Latina, com a influência do processo venezuelano. No entanto, cresce a tendência de uma orientação política parecida com a exercida pelo ex-presidente Lula. Se não, como explicar os acordos entre Chávez e Santos? A ¨amizade¨ pôs fim a um período de grandes polêmicas e enfrentamentos entre os dois países, durante a era Uribe. É a volta da velha diplomacia capitalista. O resultado foi a produção de um fato extremamente contraditório: a entrega pelo governo venezuelano do jornalista da ANNCOL (Agência de Notícias Nova Colômbia) e ativista de nacionalidade colombiana e sueca, Joaquín Pérez Becerra, ao Governo Santos, que contrasta com a política exterior implementada anteriormente pelo Governo Chávez.
Até o governo social-democrata do PT tratou melhor o tema das deportações políticas. Mesmo tendo boas relações (políticas e econômicas) com os governantes europeus e, em especial, com a Itália, o Brasil decidiu manter no país, assumindo qualquer desgaste, o ex-ativista e escritor italiano Cesare Battisti. Este foi condenado à prisão perpétua no seu país em 1987 por causa da atuação no grupo “Proletários Armados pelo Comunismo” - PAC, durante os anos 70, na Itália.
Nem mesmo os ventos das cada vez mais fortes mobilizações que se alastram por toda a Europa contra os efeitos da crise econômica, iniciada em 2009 nos Estados Unidos, conseguiram fazer, até agora, a revolução bolivariana sair da quase paralisia e aderir ao levantamento desses povos. Das eleições para assembleia legislativa até os dias de hoje, o governo deu outros sinais contraditórios que dão espaço à direita.
O primeiro veio logo nos primeiros meses do novo período legislativo. Chávez resolveu vetar a lei de universidades aprovada no parlamento, uma reivindicação histórica dos jovens que fazem parte das camadas populares. Em seguida, pensou (e chegou a anunciar) em reduzir o período da Lei Habilitante, que lhe permitia governar durante 18 meses por decreto para atender às necessidades do povo. Algo urgente diante da realidade de alagamentos e deslizamentos pela qual passava todo o país, por causa das fortes chuvas. A Lei Habilitante foi tão importante que tanto o fundamental Plano Nacional de Moradia e a atual Lei de Custos e Preços, criada para combater os efeitos da especulação na economia, foram aprovados por esse meio.
A resposta dos movimentos sociais foi imediata. Em todo o país, sindicalistas de diversas regiões aglutinados, principalmente, na União Nacional dos Trabalhadores da Venezuela – UNETE – onde há setores com uma nova proposta de movimento sindical, estão conscientes do seu compromisso com o processo de mudança liderado pelo presidente Chávez. Concluíram que a autonomia da classe é necessária para combater o capitalismo, a burguesia nacional e a burocracia estatal, que cada vez mais acumulava força dentro do governo.
Uma marcha convocada para o dia 9 de novembro de 2010 em Caracas levou mais de 10 mil trabalhadores às ruas. Sob o lema ¨Nem burocracia, nem capital: socialismo e mais revolução¨, eles apontaram que o governo deveria mudar de rumo e implementar medidas de transição ao socialismo. Nesse sentido, a atenção dada por setores importantes da esquerda radical na Venezuela à luta pelo controle operário adquiriu importância fundamental.
Pós doença de Chávez: Pra onde vai a Venezuela?
Esse cenário político vinha se agravando antes e piorou após o anuncio da doença do presidente. O país inteiro está com a cabeça cheia de dúvidas. Apesar da insistência, o governo não conseguiu preservar a imagem da fortaleza Chávez, capaz de enfrentar todos os problemas do mundo. Inclusive, foi instalada uma crise de governabilidade durante o período que ele passou em Havana, quando membros do governo chegaram a mentir através da imprensa estatal sobre o seu estado de saúde.
A preocupação aumentou após a conclusão tomada por diversos movimentos e organizações sociais de que esse processo não funciona sem o presidente e que não há quem o possa substituir. As dúvidas sobre o futuro da revolução bolivariana geram diversas movimentações. As primeiras foram no próprio PSUV, partido governista, onde cresce a disputa entre os setores da burocracia estatal pelo controle do aparato. Há um novo fato. O próprio presidente Chávez reconheceu o que anteriormente havia rejeitado como um exercício exagerado de liderança, que foi classificado como hiper-liderança e que hoje coloca em cheque a necessidade de uma direção coletiva para o processo.
Diante deste reconhecimento, a disputa se centra entre os que acham que a direção coletiva deve ser uma extensão do poder a outros setores da burocracia e a opinião de dirigentes de base que consideram que a direção coletiva está vinculada à governabilidade revolucionária pela base. Ou seja, uma direção com as organizações sociais do povo, que em última instância foram as que produziram este processo revolucionário, o defenderam dos momentos de perigo e com muito esforço tentam aprofundá-lo.
Nesse sentido, está surgindo uma proposta de ativar o Sujeito Constituinte Revolucionário e a necessidade de avançar à uma constituinte dos trabalhadores, dos que unicamente vivem do seu trabalho, para cumprir com as tarefas ainda postergadas da transição revolucionária, e que derrube o velho Estado capitalista. Parte de essas tarefas são:
1- Sancionar uma nova e revolucionária Lei do Trabalho, que substitua a atual, vigente há mais de 30 anos;
2- Avançar na construção de um novo modelo produtivo que começou depois da nacionalização da Sidor e que teve como resultado o Plano Guayana Socialista, com formas embrionárias de controle operário, e que hoje está estagnado graças ao caráter nefasto da burocracia estatal;
3- Desenvolver uma nova forma organizativa entre o movimento operário (conselho de trabalhadores socialistas) e a necessidade de um novo modelo sindical, autônomo, classista, profundamente democrático, e que assume as tarefas da transição revolucionária;
4- Desmercantilização do setor da moradia e da saúde;
5- Nacionalização dos bancos para garantir recursos a serviço de um plano nacional de produção que permita ativar, ampliar e recuperar a capacidade instalada produtiva do país sob controle dos trabalhadores.
Estamos em um momento decisivo. As revoluções democráticas no mundo árabe e os grandes protestos em toda a Europa mostram um caminho. Os indignados se espalham também pelo nosso continente. No Chile, os estudantes não cansam. A Venezuela ainda tem um papel importante a cumprir nessa conjuntura mundial. É necessário que o governo governe junto ao seu principal aliado: o povo organizado. Construir políticas que aumentem a participação popular nas decisões. O verdadeiro protagonismo e poder popular. Criticar e construir. Milhões de pessoas continuam respaldando o processo venezuelano. A disposição de mudança ainda vive. Vivemos em um mundo onde não há futuro no capitalismo. A revolução venezuelana, em partes, interiorizou isso. Hoje deve retomar o seu caminho anti-capitalista e socialista para contribuir na construção de uma nova perspectiva de futuro para a humanidade.
*Breno Mendes é comunicador social, militante da Marea Socialista (Venezuela) e filiado ao PSOL (Brasil)
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Breno Mendes
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sábado, 30 de julho de 2011
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