quinta-feira, 7 de julho de 2011

Gozando com o pau dos outros
Por Jorge Antunes, em O Miraculoso 

O policial, meio na defensiva, leva o escudo transparente à frente com a mão esquerda, enquanto o cassetete é levantado com a direita.
Agora ele está longe dos outros militares que se dipersaram. Antes, quando enfileirado com os outros de sua tropa, ele parecia forte e valente. Percutia, agressiva e compassadamente, o cassetete contra o escudo, enquanto marchava com os outros num balé amedrontador e ritmicamente bem ensaiado.
Agora se defende do homem do povo. Seu agressor tem o rosto escondido graças ao capacete de motociclista. A cena lembra um pouco uma luta de gladiadores romanos. O homem do povo, de peito nú e capacete, tem um enorme pau na mão. Não é um tacape. Não é um cassetete. É realmente um porrete improvisado que, se golpeado sobre a cabeça do militar, certamente fará com que o pobre policial, ensanguentado, fique fora de combate.
Mas como diferenciá-los? Por que chamar a um de policial e ao outro de homem do povo?
Ora! Os dois são homens do povo!
Enfim, a foto corre o mundo. Um jornalista vende a foto que logo vai parar na internet. Um revolucionário, desses que ficam em casa escrevendo teses e relendo O Capital, imediatamente envia a foto para seus amigos também revolucionários que, também caseiros, enviam a foto para as suas listas de e-mails. Um e outro acrescentam uns textos. Um diz que o povo unido jamais será vencido. Outro afirma, com convicção, que o povo grego dá o exemplo para o mundo. Outro, mais aguerrido, diz que a revolução explode e que o ascenso popular tem início. A mocinha gostosa, de cabelos longos e desgrenhados, dessas que gostariam de ter sido cara-pintada, envia a foto para os coleguinhas e acrescenta uma frase: Aí, companheirada! É isso aí!
Todos, à frente de seus computadores, de olhos esbugalhados voltados à telinha, gozam com o pau do homem do povo.
O falso militante de meia idade, que finge ter lutado contra a ditadura, que engana os outros dizendo que participou da Sinfonia das Diretas -o que é mentira-, também envia a foto para seus amigos e vaticina: -A revolução vai chegar também à América Latina!
Ele também goza com o pau do homem do povo árabe.
O homem do povo baixa o cacete. O policial baixa o cacete. Um filete de sangue enobrece o lutador. Outro filete de sangue entroniza o heroi. Uma vitrine despenca em estilhaços cristalinos e maravilhosos. Em câmera lenta fica mais bonito, de arrepiar.
O jovem estudante revolucionário, que perdeu as eleições no Centro Acadêmico e que gostaria de estar na foto dos que foram trocados pelo Embaixador, goza com o pau do homem que quebrou a vitrine.
Uma pedra é lançada. Outra pedra voa. Mais outra, mais outra. São muitas! Uma saraivada de pedras e paus.
À beira, meio escondida na cena, uma turba apenas olha sorrateira, pronta para correr se necessário. São homens do povo, estáticos, passivos, contemplativos, gozando com os paus e as pedras dos outros.
Mas, enfim, os tribunos entram no prédio majestoso e, sentados em suas poltronas macias, votam contra o povo. Aprovam leis contra aqueles homens do povo que estavam de pau na mão.
No outro cenário, com menos pedras, com menos paus, a direita ganha as eleições. Aí, os que estavam de pau na mão acabam ficando com o cú na mão.
Aqui e acolá, o que gozava com as pedras e os paus dos outros continua em casa, escrevendo artigos, escrevendo teses, discutindo na internet, às vezes trocando impropérios, mas sem disposição de ir às ruas. Talvez vá. Vai pensar ainda.
Aquela marcha parece interessante, porque certamente vai ser colorida, multicolor. Pouco importa se a Globo vai estar lá ou não, cobrindo e filmando. Mesmo que não esteja, a turminha de cinema vai estar, com suas câmeras, ou mesmo com seus celulares, para depois plasmar o heroismo na internet.
Naquela outra ele vai, pois até o FHC já deu seu aval internacional!
Talvez não vá. Depende se mamãe vai estrilar ou não.
Aquela outra também parece que vai ser legal, com uma disputa de frases inteligentes em cartazes feitos a mão. Talvez vá.
Talvez não, porque melhor será esperar fevereiro, para sair no bloco com a rapaziada.
Jorge Antunes é Maestro e Professor Aposentado da UnB e escreve a partir desta estréia, às quintas-feiras para O MIRACULOSO

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