domingo, 31 de julho de 2011

Mais motivos para reforçar a tese de que o Senado precisa de um senador-bomba
Por Jorge Antunes, em O Miraculoso
Ala Senador Filinto Müller, Gabinete 3, Senado Federal, 70165-900 Brasília, DF. Era assim que o remetente Senador Lauro Campos escrevia no verso dos envelopes que recebi durante anos, trazendo folhetos e livros com seus belos e inteligentes discursos.
Ala Senador Filinto Müller, Gabinete 5, Senado Federal, 70165-900 Brasília, DF. Era assim que o remetente Senador Cristóvam Buarque escrevia no verso dos envelopes que eu recebia contendo gentis saudações e cumprimentos.
Há seis anos chamei a atenção de Cristóvam, sobre a absurda existência, no Senado, de uma homenagem ao vilão de minha ópera Olga, baseada na vida de Olga Benario. Ele imediatamente mandou imprimir novos envelopes com novo endereço: “Gabinete atrás da Biblioteca do Senado”. O senador, hoje em novo mandato, está mais tranquilo, com novo endereço: Ala Teotônio Vilela, gabinete 10.


Filinto Müller foi chefe da polícia política de Getúlio Vargas e ficou famoso pelas prisões arbitrárias e torturas, na caça aos comunistas. Foi um dos responsáveis pela entrega de Olga Benario à Gestapo, em Hamburgo. Mulher de Luís Carlos Prestes, Olga Benario foi executada na câmara de gás de Bernburg em 23 de abril de 1942.
No início de 2010, ao chegarem novos senadores àquela Casa, ninguém queria ocupar gabinetes na maldita Ala. Por incrível que pareça, ainda hoje é mantida aquela absurda homenagem a Filinto Müller, feita pelo Senado. Ao constatar isso, lembro-me de outras interessantes homenagens do passado. É triste nos lembrarmos de que existiram um Hospital Presidente Médici e um Parque Rogério Pithon Faria.
São tantos os defuntos que merecem homenagens que, infelizmente, alguns deles ficam sem espaços, hospitais, ruas e alas a que possam dar seus nomes. Seria preciso, urgentemente, estabelecer regras que permitissem mudanças de nomes em locais públicos. Exemplos desse tipo de rotatividade existem.
O Hospital dos Servidores da União (HSU) de Brasília foi inaugurado em agosto de 1972. Servidores da União era expressão que alguns meses depois iria cansar a beleza do poder constituído. Assim, o nosocômio ganhou logo outro nome: Hospital do Distrito Federal Presidente Médici (HDFPM).
Em 1980 o Hospital Presidente Médici teve seu nome mudado para Hospital Docente Assistencial (HDA). O Garrastazu Médici foi um homem bom. Após a morte do também homem bom Costa e Silva, Médici foi indicado para ocupar o cargo de presidente do Brasil. O homem bom, presidente, enfrentou aquela série de sequestros de embaixadores praticados pela esquerda. A eliminação daqueles grupos enriqueceu o currículo do general que deu nome ao hospital. O santo general milagreiro esteve à frente do chamado milagre brasileiro. Mas o nome "docente assistencial" também merecia homenagem e, até mesmo, soava melhor. Docente Assistencial era, entretanto, nome que cinco anos depois também já não soaria tão bem: ao final da década de 80 o HDA teve seu nome mudado para Hospital Universitário de Brasília (HUB).
Algo parecido aconteceu com o Parque Rogério Pithon Faria. O Rogério não chegava a ser exatamente um homem bom, mas era um menino bom. O rapaz deveria dar nome ao maior parque urbano do mundo, inaugurado pelo Circo Orlando Orfei em 12 de outubro de 1978, dia da criança, pois colecionava duas fortes razões para receber a homenagem: morrera em acidente automobilístico causado por alta velocidade de seu veículo e era filho do governador do Distrito Federal, outro homem bom nomeado para o cargo pelo bom homem Presidente Geisel.
A rotatividade justa tinha que acontecer. Rogério deu o que tinha que dar. Outros fortes candidatos a homenagens surgiam. Assim, a população apoiou a nova denominação: Parque da Cidade Dona Sarah Kubitschek.
Enquanto isso, lá está, no Senado, intocável, a Ala Filinto Müller. Filinto também era um homem bom. Grande cidadão brasileiro que foi humilhado na Coluna Prestes: foi expulso sob a acusação de covarde, desertor e indigno. Que sofrimento! Por muito menos Eustáquio foi santificado. O general romano, no ano 112, se recusou a agradecer a Deus pela vitória de suas tropas, desagradando o imperador Trajano: virou santo.
O homem bom, senador da República, presidente da Arena, está lá bem relembrado hoje nos endereços de outros homens bons: Clésio Andrade (PR), Humberto Costa (PT), Inácio Arruda (PCdoB), José Pimentel (PT), Ana Rita (PT), Rodrigo Rollemberg (PSB), Vicentinho Alves (PR), Wilson Santiago (PMDB).
Alguns acham que Filinto, temido chefe de polícia do Distrito Federal em 1934, deu enormes contribuições à nação e, assim, merece a homenagem. Pensam assim aqueles que consideram terem sido corretivos importantes as surras que ele deu, com cassetete de borracha, em 1935, em Arthur Ewert e Elise. Não sei se os fãs de Filinto Müller concordam. Mas eu acho que o homem bom Filinto exagerou um pouco ao liderar aquela turminha que machucou o ânus e o pênis de Ewert de várias formas, chegando a introduzir um palmo de arame dentro de sua uretra. Com um maçarico, em seguida, a ponta do arame foi esquentada. O calor abrasador do herói que dá nome à Ala no Senado se materializou naquele arame.
Faz-se necessária a rotatividade nas Alas do Senado. Outros homenageáveis estão na lista de espera. O Senador Sergio Cabral bem que tentou promover a rotatividade. Em 2003 ele apresentou o projeto de resolução nº 12 que alterava a denominação da Ala Filinto Müller para Ala Nelson Carneiro. Mas o Senado recebeu bem o relatório, pela rejeição, elaborado por outro homem bão: o Senador Edison Lobão.
E lá continua a Ala Filinto Müller. Espero que você, meu caro leitor, ao ler este meu último parágrafo, esteja sentado para não cair estupefato. Hoje, aos 11 anos do século XXI, ainda não existe no Senado uma Ala Nelson Carneiro ou uma Ala Lauro Campos. Mas, pasmem, já existe uma Ala Antonio Carlos Magalhães!
Jorge Antunes é Pesquisador Sênior do Departamento de Música da UnB, maestro, compositor, autor da Sinfonia das Diretas, da Cantata dos Dez Povos, da Ópera Olga e da Ópera de Rua Auto do Pesadelo de Dom Bosco e escreve semanalmente para O MIRACULOSO
Ilustração - Frederico Flósculo

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