Não dá para perder: conferências de Slavoj Zizek e David Harvey
Por Roberto Robaina, Presidente da Fundação Lauro Campos
Um amigo de Zizek, mais velho que ele, e creio que um dos muitos inspiradores de sua obra, o filósofo marroquino-francês Alain Badiou, falava em quatro dimensões que uniam o desejo da filosofia e o desejo da revolução. Ele dizia, citando Rimbaud, que a filosofia era uma revolta lógica. Uma revolta lógica porque combina o desejo da revolução com o desejo da racionalidade. Uma revolução no pensamento e na existência, individual e coletiva. As quatro dimensões citadas por Badiou são o desejo da revolta, o desejo da lógica, o da universalidade e o do risco. Um revolucionário deseja que o povo se levante, se erga, mas quer que isso seja feito de modo racional e eficaz, não quer a barbárie e a mera fúria. Neste sentido exige uma forma de lógica histórica. Ele quer que seja um processo universal, internacional, não fechado em objetivos nacionais, raciais e religiosos. Por fim ele assume o risco de sua posição. Então, na ligação com a revolução, a filosofia não é um mero exercício abstrato. Já com Platão tratava-se de defender o diálogo, a linguagem, o direito à argumentação. Com Hegel e Marx a dimensão da revolução ganha escala. Quem puder ir, não pode perder a conferência de Zizek “ De Hegel a Marx…e de volta a Hegel! A tradição dialética em tempos de crise”.
São estes tais de tempos interessantes. Seguindo os argumentos de Badiou, o mundo contemporâneo, e falando aqui, sobretudo, do mundo ocidental, tem vários obstáculos e pressões contra desejos da revolução e da filosofia que mencionamos antes. Tal mundo é hostil à revolta. Ele nos diz que já temos a liberdade, que as mudanças devem ser graduais ou que devemos confiar que elegendo um presidente é suficiente. Nada de mudanças bruscas. Esta é sua disposição opressiva, impedir estas mudanças. Nada mais claro de que se trata de uma estrutura de poder que quer derrotar o pensamento dialético. Como está estruturada, apesar de muita ciência e tecnologia, nossa sociedade também é contrária à razão e à lógica. Sua dimensão é a dimensão ilógica da comunicação atual, deste aparato material, esta organização material de TV, rádio, Internet, dedicado ao esquecimento imediato, a um espetáculo sem memória, um presente perpétuo. O terceiro obstáculo é contra a verdadeira universalidade, já que nosso mundo tem apenas o dinheiro como forma material de universalidade, o equivalente geral definido por Marx. O resto é divisão de trabalho, especialização produtiva, fragmentação. Finalmente, contra o risco, somos ensinados a buscar segurança sempre, desde o início a segurança profissional, a necessidade do cálculo da segurança. Concordamos com todos estes bons argumentos de Badiou.
Mas desde 2011, com a revolução árabe, a chamada primavera que ainda segue seu curso, a pauta da revolução foi retomada com mais força num mundo ainda, é claro, dominado pelo capital. A irracionalidade deste domínio é enorme e tem armas eficazes. Mas mesmo os obstáculos de Badiou em alguns momentos são capazes de inverter o jogo, de contribuir para que saia o gênio da lâmpada. Assim, a internet, embora não poucas vezes jogue contra a reflexão mais profunda, a reflexão do texto que exige mais tempo de leitura, mais profundidade, foi usada para que os ativistas adquirissem um nível de conexão nunca antes vista. Não foram poucas as mobilizações de massas que começaram pelas redes sociais. A internacionalização do capital tem promovido também a internacionalização de um nível de resistência crescente. A universalidade do dinheiro tem sido questionada por quem não quer que o mundo seja resumido à mercadoria. E quando ações tomam uma dimensão de massas e um radicalidade pouco usual, quando massas irrompem na cena pública, então todos os explorados e oprimidos podem apreender. Quantas lições nos foram dadas pelo povo da Tunísia, do Egito, da Grécia e da Espanha! Até a educação pela segurança, a busca por não se arriscar, quando o capital provoca desemprego e insegurança, tem permitido também um maior questionamento ao domínio do capital. Nada disso quer dizer que o caminho é fácil. Mas não há dúvida que o confronto entre a revolução e a contrarrevolução está ganhando contornos mais claros.
Se não bastasse Zizek, receberemos David Harvey. Este inglês que vive há mais de 40 anos nos EUA é um gênio da explicação da obra mais importante do marxismo: O Capital. Seus cursos para entender O Capital na Universidade de Nova York são um estouro. Não creio que tenhamos um curso melhor. Ajudar a trazer David Harvey para o Brasil é um orgulho para a Fundação Lauro Campos. Afinal, Lauro Campos foi sem dúvida um dos melhores, senão o melhor economista marxista do Brasil. Sua obra “A crise completa”, também editada pelo Boitempo, é a melhor explicação escrita em língua portuguesa acerca da dinâmica da crise do modo de produção capitalista. Lendo um livro que foi escrito em 1999 (editado em 2001), apreendemos os mecanismos que fazem da atual crise mundial a crise completa prognosticada por Campos. David Harvey explica como ninguém a obra que revela a lógica do capital, de suas contradições, do desenvolvimento destas contradições e das crises cada vez mais completas que elas carregam. A conferência de Harvey, Para Ler O capital, é óbvio, que também não dá para perder. Afinal, se estamos entrando num novo período revolucionário, de tempos interessantes, é porque a crise aberta em 2007 não é uma crise qualquer. Depois de quase 50 anos de acumulação quase ininterrupta do Capital, de ultrapassagem de seus próprios limites, finalmente o capital terá que prestar de modo mais sério contas ao trabalho real que ele pretende sempre negar.
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quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013
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