As greves das Polícias Militares e dos bombeiros abrem uma nova conjuntura e indicam mudanças profundas na luta de classes no Brasil
Em Luciana Genro
Quando estamos
escrevendo ainda se desenvolvem as greves das polícias militares da
Bahia e da PM e dos bombeiros do Rio de Janeiro. A greve da Bahia,
depois de uma semana de uma forte paralisação, está caminhando para o
final. A greve no Rio de Janeiro votada na quinta à noite não conseguiu
decolar com força porque o governo estadual atuou com uma repressão
planejada e eficiente e a tática do aquartelamento facilitou a operação
desmonte. Foram dezenas de prisões e algumas centenas de processos
militares abertos para encaminhar a demissão da linha de frente dos
grevistas.
Desta vez, diferentemente da última greve
dos bombeiros, a ação repressiva não foi improvisada e não foi
orquestrada apenas pelo governo estadual. Foi deflagrada antes da
própria greve do RJ, com os violentos ataques contra a greve da Bahia se
estendendo ao principal líder da greve carioca. Foi uma repressão
articulada pelo regime enquanto um todo, dirigida pelo governo federal,
com a participação das Forças Armadas, do sistema judiciário
(autorização dos grampos) e com a indispensável assistência da Rede
Globo, respaldada explicitamente pela presidente Dilma. Não precisa ser
dito que contou com o apoio da oposição parlamentar burguesa do PSDB e
DEM. Uma repressão, portanto, com todo um trabalho prévio de controle
político e de manipulação da opinião pública.
Com tudo isso as conseqüências também foram
diferentes. Quando os 439 bombeiros foram pr esos no último conflito, o
desdobramento imediato foi a eclosão de um movimento de massas no RJ,
com repercussão nacional, um apoio popular e manifestações de
solidariedade com a luta dos bombeiros que levou à derrota política do
governo Cabral/PMDB, derrota comemorada e consolidada numa
marcha/passeata de cerca de 40 mil pessoas na orla de Copacabana. Desta
vez a queda de braço parece se inclinar a favor do governo.
Mas mesmo que a greve do RJ venha a ser
derrotada (a impressão é de que a greve da Bahia já foi e a do RJ tende a
ser), com este texto queremos afirmar que os conflitos inaugurados por
este processo indicam mudanças profundas na luta de classes do Brasil.
Representam uma nova conjuntura, o que não quer dizer uma nova
correlação de forças. Uma nova conjuntura, porém, porque teremos uma
intensificação das contradições e das tensões sociais. São os primeiros
sinais claros d o início da crise do regime democrático burguês que
tende a se desenvolver na esteira da crise econômica mundial que com
maior ou menor intensidade já se expressa no Brasil e se expressará cada
vez mais. Uma dinâmica de crise cuja tendência é levar o movimento
de massas a cada vez mais choques com este regime. E choques que
levarão o governo Dilma e o PT a atuar como carro chefe na defesa do
regime burguês, utilizando-se dos métodos repressivos que sempre o
estado burguês utiliza contra o movimento de massas quando não garante a
paz social com o consenso e o controle ideológico do povo. Ou seja,
o Brasil vai ir acompanhando a dinâmica mundial de intensificação
da crise e dos conflitos políticos e sociais. O país está
mais polarizado.
Esta é nossa caracterização central. Neste
sentido podemos dizer que estas greves abrem uma nova conjuntura de
maiores enfrentamentos. Não queremos dizer com isso, repetimos, que
teremos nos próximos meses e anos necessariamente um processo de ascenso
do movimento de massas nem muito menos de ofensiva, mas que teremos
maiores pressões para a existência de conflitos sociais – e que estas
pressões tendem a se materializar em maiores ações – ações que serão
mais duras e contra as quais o PT terá que se expor mais como defensor
da ordem capitalista e do regime burguês para contê-las e na medida do
possível derrotá-las Justamente terão que atuar, com o PT tendo que se
expor mais como defensor da repressão – como fez agora – esgrimindo o
discurso em defesa da ordem e da lei, com o objetivo de impedir que as
pressões objetivas por maiores ações das classes trabalhadores não
apenas se materializem, eclodam, mas para impedir vitórias que, por
ventura sejam obtidas, animem o movimento para maiores ações, alterem a
correlação de forças e preparem um caminho de uma ofensiva dos
trabalhadores.
Se isso é assim, as greves atuais foram o
primeiro round deste novo período que acreditamos que será longo porque a
crise econômica não apenas irá se desenvolver como não irá cessar em
pouco tempo. E a crise social e as pressões objetivas para as ações de
massas estão alimentadas pela crise econômica. Estas ações podem se
expressar em explosões populares como ocorreu contra o atraso dos trens
um dia antes do início da greve dos bombeiros, em greves – como as da
obra do PAC, dos servidores públicos, e agora dos policiais militares e
em resistências como a de Pinheirinho. As derrotas de algumas greves
– como as atuais – são insuficientes para alterar esta dinâmica.
Os conflitos seguirão e neste calor aumentará a experiência de massas
com direções traidoras e conciliadores, como as direções sindicais
da CUT, Força, cia, e partidos políticos do regime. E nestes
conflitos estão surgindo novas direções, novas lideranças.
Como dissemos antes, tudo indica que as
greves tanto da Bahia quanto do RJ sejam derrotadas (este é um texto
interno para o partido e por isso podemos escrever esta caracterização
hipotética, de um processo ainda em curso). É claro que tem importância
se um conflito é vitorioso ou não. Uma vitória sempre é animadora para
novas ações e serve de exemplo para outros setores. Mas nem toda a
derrota provoca um retrocesso ou uma estabilização. As derrotas de
algumas greves podem também ter como desdobramento o aprendizado de
setores de classes e até ajudar a forjar uma superestrutura mais
preparada. Mas logicamente o resultado das greves deve ser bem avaliado.
Teremos que refletir e avaliar bem qual o resultado deste primeiro
round. Faz diferença, caso o movimento tenha uma derrota, qual será o
tamanho dela . Um termômetro será o tempo de prisão dos líderes do
movimento, em especial de Daciolo, o líder dos bombeiros cariocas, e
quantos demitidos serão confirmados. Neste momento é isso que está em
jogo. A derrota ou a vitória não se mede mais por quanto conquistam em
termos salariais. Até porque neste terreno os bombeiros e policiais do
RJ obrigaram o governo estadual – como parte do operativo de evitar
greve ou para derrotar o movimento – a conceder um reajuste que não é
desprezível. Em termos salariais, portanto, pode-se dizer que a mera
ameaça real da greve levou o governo a conceder algo. O conflito, porém,
foi além e se estabeleceu mesmo assim. Estabelecido o conflito o
governo foi para cima e tratou de impor a derrota com um método de
repressão para desmantelar a organização do movimento. Então agora o
determinante é como sai a organização do movimento. Como recua, com que
moral, e como ficam seus líderes e sua linha de frente. Por isso o
centro da política é a campanha pela liberdade de Daciolo e de todos os
presos. Também terá peso a luta contra as punições e pela anistia. Mas
a campanha nacional tem que ter um símbolo. É o cabo Daciolo. E a
mulher de Daciolo pode ser quem encabece esta luta com o PSOL e o
Juntos. Terá que ter todo o nosso apoio.
Antes de passar para a caracterização do
PSOL e de seguir desenvolvendo nossa política, é importante afirmar que a
ação do governo federal teve um alto custo. Não vamos nos dedicar a
analisar o governo da Bahia. O governador Jaques Wagner apareceu como
um despreparado, além de se enfrentar com toda a tropa da Bahia e dar
um cheque em branco como um político contra greves, etc. Mas o
PT nacionalmente teve que se expor. Se expôs como defensor da
repressão. E a presidente Dilma se expôs como defensora da repressão
e respaldando a Globo. Os bombeiros do RJ que no ano passado
acreditavam em Dilma e de uma forma ou outra a defendiam, desta vez
ganharam indignação e até ódio contra a presidente. Foi uma experiência
em larga e profunda escala. Isso não é qualquer coisa. Estamos falando
de milhares de policiais e de bombeiros no RJ, na Bahia e com
incidência entre os policiais militares de todo o país. Afinal, todos
viram também o desmonte no Congresso, promovido pelo governo federal, da
PEC 300. É importante sinalizar que este processo desenvolve
contradições nas próprias bases do governo, como indicou o próprio
general do Exército Gonçalves Dias que desagradou o governo federal e
desarmou momentaneamente a política repressiva quando confraternizou com
os manifestantes.
Cabe adicionar uma questão por fora da
análise direta do conflito: a política de alianças do PT para as
eleições municipais. No mesmo dia em que aparecia em todos os jornais a
notícia da prisão de dezenas de bombeiros e policiais por causa da
greve, apareciam as fotos e notícias do ato de aniversário dos 32 anos
do PT com o prefeito de SP Kassab como convidado especial e com a
presença de Sarney. Até mesmo na cúpula petista teve desconforto, como
expressou Marta Suplicy e as vaias recebidas por Kassab. Por sua vez em
BH o PT pode fazer aliança com o PSB – o que inclui o PSDB – e no RJ
apoiará o PMDB, para ficar nas três capitais dos três maiores estados do
país. Ou seja, também no terreno dos projetos políticos eleitorais a
experiência com o PT está se acelerando. A privatização dos aeroportos é
parte disso. No Rio Grande do Sul, inclusive, estamos com cartaz com o
seguinte eixo”PT faz privatizações/ Reprime os Trabalhadores. Esquerda é
PSOL”. Como parte fundamental da caracterização é que o PSOL foi um
fato objetivo em todo este processo. O partido apareceu como o
único partido ligado às greves. O PSOL esteve do lado
certo. A combinação da participação ativa de dois militantes da Bahia,
Ícaro e Ronaldo na ocupação e a divulgação das gravações das
conversas telefônicas de Janira com o líder da luta dos bombeiros,
nacionalizou e revelou em nível de massas o lado de uma parlamentar do
partido. Felizmente, quando as gravações foram divulgadas, a direção
nacional do PSOL soube escolher de que lado estava e defendeu a ação de
Janira, respaldando a mesma como ação do PSOL. Desta forma, a
participação apaixonada de dois militantes da Bahia no conflito – Ícaro
aparecia o tempo todo com camiseta do PSOL ao lado de Prisco em inúmeras
redes e jornais do país – e o ataque do governo revelando para o Brasil
a ação parlamentar de Janira jogou o PSOL para o centro da cena. Sem p
reparar sua aparição enquanto um todo, o PSOL brilhou. Nossa corrente, o
MES, esteve desde o início com política de intervenção nacional,
propondo medidas concretas e unitárias para o partido na Bahia e se
envolvendo com seus militantes e sua a direção nacional no Rio de
Janeiro. Também a CST, nossa aliada no Congresso último do partido, teve
um bom papel , atuando desde o princípio com uma política comum
conosco. No caso dos bombeiros a liderança de Daciolo está fortalecida e
sua relação com o PSOL é excelente. Nossa política central sobre este
conflito será agora a campanha nacional por sua libertação. Articulamos
neste sábado, numa reunião com Janira, a realização conjunta desta
campanha e a defesa de que a mesma seja assumida pelo PSOL. Com ela
também acertaremos como realizar a campanha em defesa de seu
mandato Finalmente, nossa política geral não estará resumida a questão
de Daciolo. Será um eixo de agitação, nas redes sociais, com atos,
com articulações na superestrutura e unidade de ação democrática com
todos que concordem com sua libertação imediata (também a defesa a
anistia estará em nossa pauta).
Ao mesmo tempo que fazemos a campanha
democrática em relação às greves e a luta pela liberdade dos presos,
denunciando o governo e o PT/PMDB, armar a campanha eleitoral deve ser
nossa prioridade imediata, concentrando esforços para preparar nossos
candidatos, da forma mais profissional e adequada possível. Quanto mais
peso institucional o PSOL conquistar, melhores serão nossas condições de
atuar nos processos sociais e nos postular como alternativa. É claro
que isso sempre que o partido atuar com uma política coerente, o que
significa manter um leque de alianças que se ampare na defesa dos
interesses do povo, enfrentando de modo frontal os interesses burgueses.
Por isso vamos manter nossa polêmica com a direção do PSOL no Amapá que
tem uma pol ítica de alianças pró-capitalista. Felizmente tal política
não está concretizada. Confiamos no partido de que isso não passará.
A apresentação sobre a situação do país, as
propostas gerais para o país e as denúncias contra os corruptos, contra
os capitalistas e as condições de vida do povo, combinadas com nossos
discursos e propostas municipais vão permitir que possamos seguir e
desenvolver um diálogo mais amplo com setores que na polarização aberta
com as greves policiais não nos acompanharam, ficaram confusos com a
localização que o PSOL apareceu ter ou mesmo criticaram o lado que
escolhemos. Ou seja, nossa política é de afirmar nosso lado, reivindicar
o que fizemos, seguir comprometido com o fortalecimento de um perfil
de partido de combate, mas ao mesmo tempo não perca de vista a
necessidade de um discurso mais amplo buscando incidir para desenvo lver
a consciência democrática, de esquerda, chegar em setores populares que
estão indignados com os políticos.
Coordenação Nacional do MES.Sábado, 11 de fevereiro de 2012.
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