Democracia Real Já
Artigo de Roberto Robaina
Somos 99% contra 1%
Democracia Real Já!
2011 é um ano que não terminou. A irrupção das massas populares
árabes colocou novamente com força a ideia da revolução no cenário do
mundo e na consciência de milhões de homens e mulheres de todos os
continentes. A Tunísia abriu as comportas. Um levante urbano e
democrático derrubou a ditadura. O ato seguinte foi mais difícil, porque
a ditadura de Mubarak, historicamente apoiada por Israel e pelos EUA,
usou com mais rigor o poder das armas do regime militar do estado
burguês; mesmo assim os egípcios também venceram e as liberdades
democráticas conquistadas alteraram a correlação de forças em toda a
região, revigorando a luta palestina, colocando o Estado racista de
Israel contra as cordas. A partir daí a revolução tinha se estendido
para praticamente todos os países árabes.
Já estávamos em plena primavera árabe. Até que a revolução foi parada
no solo líbio. O povo heroico tomou as ruas, iniciava-se a revolução
com a conquista de territórios inteiros, mas a ditadura de Kadaffi
impediu que o movimento de massas conquistasse a autodeterminação do
país. Usando forças mercenárias, derramou o sangue de milhares de
pessoas. Com a contrarrevolução deflagrada por Kadaffi, as forças
imperialistas tiveram sua chance de intervir com a OTAN e facilitar sua
intervenção política no país. Finalmente Kadaffi caiu, muito mais pela
ação dos insurgentes do que pela intervenção da OTAN. A vitória das
massas, contudo, custou mais caro porque o novo governo assumiu com um
nível de associação com forças imperialistas que tem interesses opostos á
revolução árabe. Mas o descompasso, e mais do que isso a oposição,
entre os interesses das massas e dos novos governos é uma característica
comum de todo este processo. A revolução não foi concluída. E não se
trata apenas de nossos desejos. As ruas dizem isso, tanto na Tunísia
quanto no Egito, que já tiveram uma revolução democrática vitoriosa,
quanto nos demais países árabes em que a revolução ainda não venceu seu
primeiro round.
Agora, nestes dias, quando o ano de 2012 apenas começa, as portas da
ditadura da Síria estão prestes a serem postas abaixo. A divisão no
exército prova a força que adquiriu a revolução. Apesar dos milhares de
mortos, o povo não foi detido. Por incrível que pareça, em escala de
massas, o medo foi perdido. A queda de Bashar Al-Assad pode ser a
próxima vitória da revolução em 2012.
2011 é o ano que não terminou também porque a Grécia, o país fundador
da filosofia ocidental, começou a se estabelecer como palco das
revoluções anticapitalistas da Europa. Foram inúmeras greves gerais,
protestos de rua, ações de massas contra os planos de ajuste impostos
pela burguesia grega em aliança com a burguesia da França e da Alemanha.
Veremos novos levantes gregos, deste país que foi vanguarda na luta
contra o nazismo e que novamente se prepara para ser vanguarda da luta
socialista. Não é á toa que o Synaspismos e o Partido Comunista da
Grécia, duas agremiações de esquerda e que estão contra os planos
capitalistas, tem cerca de 30% de apoio nas pesquisas de opinião recente
feitas no país. E a Grécia não estará sozinha. Veremos novamente os
trabalhadores portugueses e os indignados espanhóis. E não faltarão
marchas na França, na Alemanha, greves gerais e protestos no velho
continente. Não queremos dizer com isso que o caminho será fácil. Longe
disso. A burguesia se esforça para reduzir o nível de vida dos
trabalhadores europeus. Os partidos anticapitalistas ainda são fracos e
muitos deles estão desarticulados. O desespero de parcelas do povo não é
bom conselheiro e a direita – e até a extrema-direita – explora a
confusão e o atraso na consciência jogando trabalhadores contra
trabalhadores, operários brancos contra imigrantes, nacionalidades
contra nacionalidades. Mas o recado dado em 2011 não será esquecido:
somos 99% contra 1%. Foi o maior recado dado pelo Ocupy Wall Street. O
desafio é este: transformar a resistência anticapitalista em ofensiva
revolucionária contra o capitalismo. Este é o único caminho para evitar a
catástrofe social e ambiental que ameaça o mundo.
O Brasil e a América Latina não estão desconectados. Nos anos 90 e
início dos anos 2000, as maiores lutas políticas tiveram nosso
continente como palco. Governos como de Hugo Chavez, na Venezuela,
Rafael Correa, no Equador, e Evo Morales na Bolívia foram eleitos em
processos eleitorais, mas somente se explicam como produtos de
insurreições populares. No Brasil o PT resolveu se antecipar e conciliar
com a burguesia para que Lula fosse presidente em 2003. Nas urnas o
povo optou pelo PT, mas o programa petista já estava limitado a busca
por desenvolver o capitalismo brasileiro. A bandeira socialista nem
mesmo para dias de festas foi usada e os recursos públicos, desde a
posse de Lula, estão sendo usados para financiar e promover grandes
empresas capitalistas brasileiras. Se achando vitorioso neste processo, o
petismo resolveu promover a expansão dos investimentos dos capitalistas
brasileiros para a América Latina e aconselhar os governos locais,
Chavez, Morales, Correa, entre eles, que o capitalismo é o único
horizonte possível. Maus conselhos. Quando a crise do capital é mundial
o PT se orgulha de ser seu gerente.
Mas o capitalismo brasileiro não traz melhorias dignas de nota para o
povo. Com a saúde pública desassistida, pessoas morrem enquanto esperam
atendimento nos corredores dos hospitais, uma tragédia cotidiana no
país. Mais de 13 milhões de famílias recebendo menos de 50 dólares por
mês tampouco pode ser considerado um orgulho para o país. Mostra que o
Brasil não tem emprego para seu povo. Os governos e os capitalistas
condenam milhões ao desemprego e à exclusão e querem uma mão de obra
barata a serviço do capital. Basta ver os salários absurdos e as
condições de trabalho indignas dos trabalhadores que estão nas obras do
PAC e construindo as obras da copa, num país em que estádios valem mais
do que escolas e hospitais. Um país em que mais de 10% do povo ainda
não tem garantido o direito à educação, vivendo no analfabetismo. Um
país, ademais, que o crime organizado está internado nas instituições do
poder, promovendo assassinato de juízes e ativistas. Para não falar da
corrupção, marca dos partidos e dos políticos tradicionais. Um país,
finalmente, em que o governo do PT protege os desmatadores e ameaça o
Código Florestal, com o PC do B convertendo a sigla “comunista” em
admirada e elogiada pelos latifundiários.
Enganam-se, portanto, os que acreditam que o Brasil está bem. Nem
mesmo a economia capitalista está tão estável como propagam seus
apologistas. O Brasil encerrou 2011 com um dos crescimentos mais baixos
entre os chamados emergentes. O país é o quinto que menos cresceu, em um
grupo de 24 analisados, estima a consultoria britânica EIU (Economist
Intelligence Unit). E deve repetir, em 2012, uma expansão ainda
moderada. Um pouco mais de 3%. O balanço de Dilma é pior do que os
celebrados 4,5% médios do segundo mandato do presidente Lula
(2007-2010).
Matéria da FS mostrou que “embora a crise externa seja uma das causas
da desaceleração, analistas dizem que os motores domésticos do
crescimento começam a dar sinais de fadiga. O enfraquecimento do setor
fabril, por exemplo, é um problema de difícil conserto. O crescimento da
indústria do país caiu de 10% em 2010 para 0,8% no ano passado. Em
2011, o setor industrial teve o segundo pior desempenho entre 24 nações
emergentes. Segundo a EIU, o Brasil só superou a Tailândia, afetada por
graves enchentes. A expansão do crédito, que incentivou o consumo nos
últimos anos, tem perdido fôlego porque as famílias estão estranguladas
em dívidas”.
E qual o plano do governo? Incentivar os capitalistas e arrochar os
salários do povo. As propostas de mudança da previdência são para contar
direitos, além de atacar os aposentados e os servidores federais,
estaduais e municipais. Como se fosse pouco, os governantes burgueses
liberam aumentos abusivos das tarifas públicas e cortam investimentos
que interessam ao povo. O governo federal não mede esforços para
garantir altíssimo superávit fiscal, direcionando estes recursos aos
bancos e fundos de pensão.
Por isso estamos assistindo às revoltas dos estudantes e jovens do
Espirito Santo e de Teresina. Por isso vimos a greve dos trabalhadores
da Policia Militar do Ceará, que seguiram o exemplo dos heroicos
bombeiros cariocas que em 2011 derrotaram Sérgio Cabral do PMDB. Por
isso em 2012 teremos mais trabalhadores e jovens lutando pelos seus
direitos. Aí estarão militantes do PSOL. Cada vez mais se impõe a
necessidade de um partido que saiba aprender destas lutas, conecta-las,
articular os movimentos sociais com um projeto alternativo capaz de
mobilizar milhões por um novo tipo de estado e de poder. A Fundação
Lauro Campos não medirá esforços neste sentido. E em contribuir para
conectar o Brasil com o mundo. Porque também aqui somos 99% contra 1%.
Também aqui mais do que nunca precisamos de Democracia Real Já!
Roberto Robaina – Presidente da Fundação Lauro Campos e Membro da Executiva Nacional do PSOL
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