“Estamos dispostos a perder todo ano escolar para não pagarmos mais pela educação”
Por Fernanda Melchionna* e Joana Salém Vasconcelos**. De Santiago do Chile. Em Juntos - juventude em luta!
Entrevista com Miguel Roboyedo, porta voz dos estudantes chilenos em greve de fome desde o dia 25 de julho.
Sou Miguel Roboyedo, do Liceu Experimental Artístico, tenho 17 anos, e sou porta voz dos estudantes secundaristas que estão em greve de fome.
JSV – Qual são as principais reivindicações dos estudantes em greve de fome?
MR – Atualmente, são 5 eixos essenciais de nosso movimento. Primeiro, o fim da repressão policial aos liceus ocupados e às marchas de rua organizadas pelo movimento estudantil. Ou seja, o direito de manifestação, o fim das prisões políticas, o fim das invasões policiais durante a madrugada nas escolas ocupadas. A polícia já prendeu alunos que estão em greve de fome, e o nível de defesa desses alunos está debilitado… Segundo, o passe escolar gratuito nos 365 dias do ano. Terceiro, o fim do lucro com a educação. Quarto, a valorização dos estágios dos estudantes secundários técnicos, que atualmente não é remunerado. Quinto, o fim da privatização da escola secundária.
JSV – Os estudantes em greve de fome estão espalhados por todo país?
MR – A greve de fome é nacional. Estão em Buin, em Santiago, em Chillán, Paine, Antofagasta, Temuco e Quillón. Também em Rengo e outras cidades. São estudantes secundários e universitários.
JSV – Quantos estudantes estão em greve de fome, no total?
MR – São 35 estudantes em todo país.
JSV – Como o movimento está se protegendo da repressão policial? Tem advogados?
MR – Nós temos assistência da Defensoria Penal Popular. Também há um comitê de apoio aos grevistas de fome. Esse comitê se ocupa da saúde dos grevistas, fornecem soro, trazem máscaras de proteção respiratória para eles. Além disso, há os porta-vozes dos grevistas de fome. Nós escrevemos os comunicados para imprensa e os representamos.
FM – Como o governo respondeu a greve de fome?
MR – Até agora o governo somente tentou acabar com a greve de fome sem atender as demandas, e com argumento da saúde dos alunos e da responsabilidade dos pais e mães dos grevistas. Aqui não há problema de salubridade: está tudo bem limpo, muito bem cuidado e as condições de saúde dos grevistas estão monitoradas. A responsabilidade dos pais já um tema da legalidade. Os responsáveis legais dos grevistas não estão incentivando seus filhos, mas também não estão negando sua atitude política. Não podem amarrá-los numa cama e obrigá-los a comer. Esperamos de nossos responsáveis que nos apóiem e colaborem com a saúde de seus filhos junto com o movimento.
FM – Como está a saúde dos grevistas?
MR – Aqui no Liceu Experimental Artístico as duas meninas estão estáveis, apesar de um pouco desidratadas. Tiveram alguns problemas como confusão, dor de cabeça, dor abdominal, cansaço. Já sentem dificuldade de levantar para ir ao banheiro…
JSV – Há um médico que as acompanha?
MR – Sim, um médico visita os grevistas todos os dias.
FM – E qual é a posição do Liceu sobre a proposta do Ministro Bulnes?
MR – Nós nos consideramos totalmente excluídos do projeto do governo. De nossas 5 reivindicações, nada é garantido pelo Projeto. O passe escolar gratuito estaria somente garantido aos alunos de escolas técnicas que fazem estágios durante as férias, e não a toda população de estudantes. Nós exigimos a estatização da administração escolar, e isso também não está garantido. Quanto ao fim do lucro, o documento não demonstra nenhum passo nesse sentido, e descaradamente assume o lucro como prática legal. No projeto também não há nenhuma manifestação sobre os estágios não remunerados dos alunos de escola técnica. Nós queremos estágios remunerados, e queremos o direito de organizar um sindicato enquanto estejamos fazendo os estágios, além de validação do título profissional. Não queremos que o Ministro Bulnes siga nos considerando mão de obra gratuita. Além disso, já comunicamos ao governo que nossos colegas em greve de fome estão dispostos a dar a vida por isso. É preciso se preocupar muito. Vão começar a desidrata-se mais rápido, ficar mais fracos… Estão há 18 dias sem comer.
JSV – E para sair desse risco, vocês planejam entrar em processo de negociação conjunta, lado a lado dos universitários e professores, para aumentar a possibilidade de conquistar suas demandas?
MR – Sim. Estamos buscando uma negociação geral, junto de todos os setores. O único que queremos é ser escutados pelo governo e queremos chegar a um consenso bom entre todos. A greve de fome é também um chamado aos estudantes para que se mobilizem mais, se empenharem nessa luta que é de toda sociedade.
JSV – Qual é a principal crítica contra a municipalização do ensino secundário?
MR – A municipalização gera privatização gradual das escolas secundárias. Não queremos mais pagar para estudar. Alguns pais disseram: meu filho vai perder o ano, e no próximo ano terei que continuar pagando sua educação. Não. Nós estamos perdendo um ano para no próximo ano não pagarmos mais pela educação.
FM – Aqui no Liceu Experimental Artístico se paga para estudar?
MR – Aqui pagamos anualmente. São 60 mil pesos ao ano [R$ 240 ao ano]. Mesmo sendo pouco, se pode ver que existe lucro. O dinheiro entra na escola, mas não reflete em qualidade. Como se pode ver, a estrutura é totalmente precária, está derrubada, e isso nos atrapalha muito.
JSV – Quantas escolas públicas estão sob administradores privados?
MR – Ainda são poucas as que estão sob administração privada. Mas essa é uma orientação do governo, que tende a expandir. O Estado passa dinheiro às Corporações que administram as escolas. As escolas com administrações privatizadas são as que apresentam mais problemas, porque a existência do lucro retira dinheiro da qualidade da educação.
JSV – Você se lembra de outra repressão policial ao movimento estudantil tão violenta como a do dia 4 de agosto?
MR – Não. A policia ficou bastante descontrolada. Eles querem bloquear o movimento com a força, mas isso não será tão fácil. Ou conseguimos algo concreto, assinado, com data marcada, ou não vamos parar de lutar. O governo terá que liberar as manifestações, porque caso não o faça, vai continuar acontecendo o mesmo que aconteceu no dia 4. Muitos de nossos pais foram manifestar-se junto a nós, e foram reprimidos igual, asfixiados pelo gás lacrimogêneo, golpeados. Há muitos estudantes que estão presos até hoje. Há um caso de desaparecimento, de um estudante da universidade “Academia de Humanismo Cristão”. Ele foi preso dia 4 de agosto às 20h30 na Rua Santa Isabel com a Rua Carmen e desapareceu. Ainda não sabemos onde ele está.
FM – E os advogados estão procurando?
MR – Sim, estão tentando localizá-lo. A questão é que isso não pode acontecer num país com democracia, em que se supõe que tudo é transparente, se supõe que há direito de manifestação pública e política. Não pode passar o mesmo que passava na ditadura, se estamos num regime democrático.
JSV – Os estudantes que foram presos e já foram liberados contaram sobre as práticas da polícia com os detidos?
MR – Eu já fui preso. E sim, eles golpeiam os estudantes, nos asfixiam na rua, nos batem bastante. O que é o vandalismo que eles nos acusam não é nada perto do que eles fazem com a gente. Eles têm armas de guerra. O que uma pedra pode fazer contra um caminhão de aço blindado? Às vezes a polícia é violenta sem que nós façamos nada. Dia 4, nós estávamos parados em uma esquina com cartazes do movimento, nem sequer era na rua, era na calçada. E fomos reprimidos por mais de 6 horas!
JSV – Depois do rechaço dos estudantes ao projeto insuficiente do governo, a CONFECh [Confederação dos Estudantes Universitários do Chile] anunciou que espera um novo projeto na próxima semana, que dessa vez responda efetivamente às reivindicações. Vocês se juntam a essa perspectiva?
MR – Nós esperamos todos os dias que algo seja proposto pelo governo, que nos entreguem uma solução boa. Nós estamos muito preocupados com os alunos em greve de fome. Alguns estão pensando em fazer uma greve seca, o que seria vital. Nós defendemos a cima de tudo a unidade entre todos os setores do movimento, universitários, secundários, professores. Temos que nos juntar mais fortemente, e produzir uma negociação baseada em um conjunto comum de reivindicações. A CONFECh produziu uma negociação parcial e nós queremos ampliar e unificar o processo de negociação. Quanto mais esperamos, mais o descontentamento aumenta. Partimos com um descontentamento gigante, e não vamos encerrar o movimento com um ainda maior.
* Fernanda Melchionna é vereadora do PSOL de Porto Alegre.
** Joana Salém Vasconcelos é historiadora e colaboradora da Secretaria de Relações Internacionais do PSOL.
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