Há milhões tomando as ruas de Santiago, hoje o Chile não vai dormir!
Por Thalie Drumond, em Juntos - juventude em luta! - Publicado originalmente em 25 de agosto de 2011
“Vamos compañeros, hay que poner un poco màs de empeño,salimos a la calle nuevamente,la educacion chilena no se vende, se defiende!”
Tentei por duas vezes escrever esta breve nota. Mas, há poucas horas fui interrompida duas vezes por enormes cacerolazos que aconteciam bem em frente à casa onde estou hospedada. Sem pestanejar, fui me juntar a eles. Cerca de uma hora depois, o cacerolazo ainda continua e passo a escrever o relato das últimas 24 horas sem poder ouvir direito o bater das teclas do computador. Enfim, melhor assim.
Bom, hoje o dia foi repleto de atividades. Afinal, era o primeiro dia da grande paralisação nacional. Por todos os lado se podia ver algum tipo de ação política. Andando pelo metrô, a cada estação era possível reconhecer ao fundo a gente batendo suas panelas.
Todos comentavam o grande dia. Um homem ao meu lado, vestido como um alto executivo, respondia a alguém no celular “não, eles estam lutando por uma nova constituição e novas leis trabalhistas, é muito justo!”. Provavelmente devia estar tentando convencer um de seus pares a não se colocar contra aqueles que estão mudando por completo a situação de seu país. O que importa é que hoje foi uma grande demonstração da capacidade que o povo tem de mudar radicalmente seu destino. Aos céticos, hoje Santiago do Chile realmente parou. E não era feriado, data festiva ou mesmo a Copa do Mundo. O dia 24 de agosto de 2011 foi o dia – e falar isso explcitamente deve incomodar alguns – em que estudantes e trabalhadores assumiram o comando do país. Pelo menos por 48 horas, mas com certeza os passos dados até aqui não serão destruídos facilmente.
Ao longo de todo o dia estive na comuna de Puente Alto, estava marcada para às 9h uma marcha numa das principais estações da região. Eu cheguei às 9h06` e já tinham mais de mil pessoas na concentração. Uma hora depois seguramente éramos mais de 10 mil. Setenta por cento destes eram estudantes secundários. Neste dia não deve ter ficado nenhuma criança dormindo, porque a avenida Vicuña Mackena se transformou num mar de Pinguins. Cada escola com sua banda, cada tico sua forma de se expressar. Eram gritos de guerra, fantasias, apito e correria. Marchamos três estações e a cada esquina juntavam-se a nós novas colunas de estudantes, de sindicatos e comerciantes que paravam seu trabalho para unirem-se à marcha.
A marcha foi extensa. Ao longo dela víamos donas de casa, deficientes físicos, abuelistas, malabaristas, trabalhadores da construção civil, metroviários, professores e muitos estudantes. Marchávamos todos juntos, em seus blocos, misturando-se às vezes entre si, em cirandas, num grande mar de gente. Num daquelas exaltações de massa que reafirmam a crença de militantes experimentados num futuro diferente. É possível e está começando aqui e agora, pensávamos!
Chegamos à Praza de Puente Alto com a sensação de grande feito. Mais que isso, se havíamos chegado até aqui era possível fazer muito mais. Sabíamos que em todas as outras comunas algo semelhante ocorria. E nos sobrava vontade e determinação política.
Infelizmente a polícia pinochetista quis impor-nos limites. Tentaram encuralar mais de dez mil pessoas numa pequena praça. Não deu. Em seguida, quiseram dispersar-nos com água tóxica e gás lacrimogêneo. Mas as pessoas voltavam a se reunir na praça. Então, só lhes restava prender-nos.
Os Carabineros, los pacos hijos de Pinochet, saíram à caça. Pegavam qualquer um pelo caminho. Como zombies babando atrás de sangue novo. Corríamos para ajudar uns aos outros. Numa rua distante, sacaram um dos nossos. Nos debatíamos para tentar soltá-lo, impossível. Sabíamos que naquele momento não dava para fazer muita coisa. Esperamos certo tempo para as coisas alcamarem. Retornávamos caminhando para nos reunir com algumas dezenas que aguardavam a libertação de seus conhecidos na delegacia da região. No meio da rua apareceu surpreendemente um caminhão cheio de pacos. Naquele momento éramos apenas seis. Começaram a prender um por um. Fazíamos o que podíamos para nos soltar. Uma gente que estava pela rua bem que tentou nos ajudar. Inesperadamente, um dos pacos começou a gritar “vocês estão prendendo pessoas que caminham pela rua, não se pode fazer isso, não façam isso!”. Sabe-se lá de onde surgiu aquele paco, não quisemos saber. Corremos e nos protegemos numa das escolas ocupadas.
Até o momento muitos seguem presos. Mas há milhões tomando as ruas de Santiago. Hoje o Chile não vai dormir, há muita coisa para se fazer ainda. E apenas se passaram 24 horas. O dia 25 nos espera.
Suerte e até amanhã. Viva a luta do povo chileno!
Thalie
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